sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Uma inquietante estranheza


A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.


Há qualquer coisa de muito perturbador no actual primeiro-ministro. Parece pessoa normal, bom rapaz, alguém que se esforça para parecer educado, enfim uma pessoa como tantas outras com que nos cruzamos no dia-a-dia. Mas se ele tem essa aparência, se olhamos para ele e apenas vemos a normalidade do quotidiano, onde é que está o motivo para perturbação? Está aí mesmo. Há perturbações que nascem daquilo que é perverso ou mesmo demoníaco, mas há outras que nascem da própria normalidade. Há qualquer coisa de inquietante que se insinua na normalidade da pessoa de Pedro Passos Coelho.

De um primeiro-ministro espera-se que governe, que tome decisões, que dirija os negócios políticos da comunidade que o elegeu, mas que o faço mantendo uma determinada relação com os cidadãos. Numa república – e Portugal é uma república – o governante é um cidadão entre cidadãos, e assim deve dirigir-se aos seus concidadãos e assim deve governar. O que é inquietante no primeiro-ministro é que ele parece querer não governar, mas exercer uma espécie de tutoria moral sobre o comportamento dos portugueses. Dois exemplos.

O fim de quatro feriados, a abolição do Carnaval enquanto feriado facultativo e a diminuição dos dias de férias são apenas um acto de punição. Os portugueses já eram dos que mais horas anuais trabalhavam na Europa. Todos sabemos, por outro lado, que não é a quantidade de horas de  trabalho, mas a sua qualidade que determina a produtividade. O primeiro-ministro – talvez por se achar alemão (embora os alemães trabalhem menos que os portugueses) – julga que somos todos uns madraços e que deve pôr a plebe na ordem.

Um segundo exemplo está ligado às exortações morais com que, ultimamente, decidiu brindar os portugueses, que culminaram com o “não sejam piegas”. Que um professor, um pai, um padre façam exortações morais, percebe-se. É a sua função. Nenhum deles é igual àqueles a quem se dirige. Mas que um primeiro-ministro decida tratar os portugueses como menores ou subordinados é qualquer coisa de profundamente inquietante. A bonomia de Passos Coelho, a sua pose familiar e banal, esconde uma perversa e estranha forma de lidar com os seus concidadãos. Um governante não é um pater familias, um padre ou um professor. Passos Coelho não se julga um político, mas um reformador moral. Quando os políticos decidem sermonar e distribuir palmatoadas pelos cidadãos, devemos temer o pior, o mais perigoso, o mais inquietante, o mais contrário à liberdade e igualdade republicanas.

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