sexta-feira, 25 de maio de 2012

Parar para pensar


Este tempo terrível que vivemos, esta hora em que muita gente não só perdeu o emprego mas também a esperança de encontrar, num futuro qualquer, um trabalho que a possa fazer sentir-se parte inteira da comunidade, poderá ser a altura para parar e pensar sobre o que é viver e que relação devemos ter com a economia, o trabalho, mas também com a natureza humana e a própria Terra. Isto não significa que o desemprego seja uma oportunidade, como disse, do alto da sua desfaçatez e desmedida imaturidade, aquele que portugueses, cansados das habilidades do senhor Sócrates, elegeram para nos conduzir neste momento tormentoso.

Mais do que respostas, nós precisamos de fazer perguntas, muitas perguntas. As melhores perguntas são aqueles que são impertinentes. Quem são os grandes especialistas em perguntas impertinentes? As crianças. Por vezes, perguntam aquilo que os adultos não querem responder. É necessário retornar a essa condição ingénua e perguntar uma e outra vez. Só a nossa suposta ingenuidade pode enfrentar a muralha ideológica que foi construída para nos impedir de fazer perguntas.

Que sentido terá, por exemplo, que os horários de trabalho aumentem, que as pessoas empregadas tenham cada vez menos tempo para si e para a família, e ao mesmo tempo o desemprego cresça exponencialmente por essa Europa fora? Não seria de equacionar horários de trabalho mais pequenos e abertura de novos lugares para quem não trabalha? A quem não interessa este tipo de questões? Há que ser, contudo, mais radical e perguntar para que serve este nosso estilo de vida. A generalidade das pessoas vive na angústia de não ter trabalho ou de o vir a perder a breve prazo. Para que serve a vida, se toda ela é marcada por uma coisa onde a maior parte das pessoas se sente estranha e não como o lugar de realização das suas potencialidades? Devemos, por outro lado, perguntar se o nosso pobre planeta suporta tanta produção, tanta eficiência e tanta eficácia na sua exploração.

As discussões políticas estão presas aos esquemas herdados do século XIX e parece que não há outra coisa sobre a Terra do que uma solução liberal, agora em moda, e uma solução socialista, caída em desgraça. Mas será isto que está em questão? Será isto o fundamental? Como poderemos viver na Terra se 8 mil milhões de seres humanos julgarem ter o direito ao estilo de vida dos ocidentais? Os tempos são difíceis, mas é nas alturas de crise que devemos interrogar os nossos valores, aquilo que queremos para a sociedade, a forma como queremos levar os poucos anos que nos são concedidos ao cimo da Terra. Não será altura de parar para pensar?

5 comentários:

  1. Li o artigo que ontem referiu e que me fez chegar. Interessante e inquestionavelmente certo. Mas utópico, não é?

    Claro que está tudo mal, todo o modelo está mal, construíram-se modelos em cima de coisa nenhuma, acreditando que tudo se iria auto-regular. Na mecânica dos fluidos, as coisas regulam-se, equilibram-se. Mas na natureza em geral, quando há seres díspares e estímulos anómalos, há espécies que se tornam dominantes e outras que desaparecem.

    Claro que nos devemos todos questionar. Mas estes 'todos' são seres díspares, com visões e interesses díspares que apontam em diferentes direcções.

    Diria que, numa situação destas, a coisa só muda com lideranças fortes. É daquelas situações em que, quando a manada está perdida, tem que haver um que se destaque e aponte o caminho. Só que, com a queda do Muro de Berlim e com tudo o que se ajeitou a seguir (como placas tectónicas) e com a debilidade do modelo de funcionamento da UE, não se percebe bem quais os centros de poder.

    Ou seja, há desnorte e, imagino eu, assim vai andar por mais algum tempo até que abanões sucessivos levem a que se aceite um novo modelo de liderança.

    Aos poucos as mentalidades vão começar a mudar.

    Nem sempre mudarão de forma linear, lógica, consequente mas, enfim, sempre é um sinalzinho.

    Até há pouco tempo a intelligentsia empresarial (e não nos iludamos, a economia é o motor da civilização) defendia conceitos como a criação de valor para o accionista (que passava muito pela alavancagem financeira em capitais bancários - o que levou ao que levou) e isto era ensinado nas licenciaturas, mba´s, pos-doc, etc. Agora começam a aparecer coisas novas, inesperadas, e, para mim que, por enquanto as desconheço, coisas difíceis de perceber tais como 'o amor como critério de gestão'.

    Em minha opinião o que é preciso é que uma elite de gente minimamente culta e com valores fortes de humanismo, liberdade, democracia, conduza os destinos dos países ou das uniões de países no sentido do desenvolvimento, do conhecimento, da qualidade de vida e da sustentabilidade. São conceitos abstractos mas que se traduzem em políticas muito concretas.

    Não são admissíveis políticas que queiram fazer regredir os tempos (empobrecimento, etc) porque o universo expande-se e não o contrário e porque, se não for para se viver melhor, então para quê viver (já que a vida é só uma, esta, e não esta agora e outra depois)?

    Resumindo: não há soluções óbvias a menos que gente de qualidade chegue a posições de poder. O que tem acontecido é que, um pouco por todo o lado, há uma certa mediocridade que conseguiu atingir lugares de poder e que tem espalhado mediocridade por todo o lado.

    (Nem vou reler o que escrevi que escrever e ler neste rectângulo pequenino que nos é apresentado para escrever comentários, é uma maçada. Por isso, se isto for com erros, pf releve. Tentar falar de coisas complexas dentro de um rectângulo assim e em que só vejo um bocadinho de cada vez, limita-me. Ou, então, sou eu que sou limitada. Provavelmente, só disse lugares comuns. Se assim for, já agora releve também_)

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    1. Em tudo isto há um problema de resolução difícil. O Norbert Elias já o tinha percebido pelo menos nos anos 80 do século passado, ainda bem antes da Queda do Muro, mas que agora se tornou muito claro. O problema está relacionado com o espaço onde se decide a nossa vida - e esse espaço é planetário, na expressão de Elias, ou global, como se diz hoje - mas as liderança políticas são nacionais. Isto altera a forma de fazer política, e altera radicalmente. Vou pensar um pouco no assunto e talvez domingo escreva um post sobre o que me ocorrer.

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    2. Sim, gostava de ler.

      (Mas também é isso que diz, a granularidade do poder. O primeiro ministro até poderia ser razoável, mas o presidente da câmara pode ser uma treta e o presidente da junta, então, ser para esquecer. Subamos um nível. A condução da UE poderia ser razoável mas o primeiro ministro do país uma treta e por aí fora. Quem elege, elege de entre o que aparece no menu. Mas há o que nas empresas se chama a 'governance' ou o modelo de governo: quem tem poder de decisão sobre o quê? Qual a autonomia que cada órgão de poder tem? E há os fluxos de capital que não têm pátria, nem se submetem a governance nenhuma. No outro dia um amigo meu dizia-me que a empresa onde está tinha sido comparada por um fundo de capitais estrangeiros que compra empresas por tuta e meia para depois arranjar um novo comprador que fique coma e empresa apenas para ficar com o mercado, ou seja, parando a produção e despedindo as pessoas. Quem é que pode impedir isto? Ninguém? isto é o mercado a funcionar. E o mercado quando funciona é assim, selvagem, animal sempre faminto.)

      Mas vou ficar à espera da sua leitura disto que deve ser muito mais ponderada que a minha.

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  2. Quando esta semana surgiu na imprensa um suposto convite ao silêncio, feito pelo reitor da UP (http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=574137) quis crer que se tratava de uma proposta de reflexão que suspendesse o alongar de uma estrada já gasta e que parece ter confiscado o anseio pelo amanhã, afinal era uma sugestão para nos avestruzizarmos, deixando a escolha e construção dos caminhos aos engenheiros ou à divina providência. Pelo meio estive a ler o " Path to Hope" Hessel, e Edgar Morin ( dois nonagenários).
    Infelizmente, a crença tem uma raiz semelhante ao desejo, não se convoca, surge e arrebata-nos ou então, como é o caso, não surge e deixa espaço para a descrença e a descrença é como a raiz de eucalipto. Assim, e por muito que concorde com a sua visão acerca da necessidade de romper com as visões unidireccionais, não consigo vislumbrar alternativas, talvez até as conceba, numa escala reduzida, aplicadas a micro-comunidades, mas sofremos de estreiteza de visões do mundo e do futuro e isso condiciona a nossa acção e as nossas projecções. Como sempre, obrigada por reflectir e partilhar!

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    1. Penso que o convite do reitor era mesmo para parar de pensar. Sobre o ruptura com as visões unilaterais, julgo que ela começa a perfilar-se agora. As partes ainda não perceberam a limitação da sua visão, insistem na bondade das suas soluções, mas a realidade resiste e resiste porque as ideias que mobilizam a acção começam a dar sinais de senilidade. Seja como for, talvez não haja já lugar para grandes ideias (ideologias) e as soluções sejam mesmo locais. Mas isso precisa de ser pensado.

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