segunda-feira, 2 de julho de 2012

Nunca paramos de inovar

Dierick Bouts - Subida de los elegidos al paraiso (1470)

Portugal, contrariamente ao que se diz, é um país bastante inovador. Veja-se, por exemplo, o que está a acontecer aos enfermeiros. O truque é muito interessante. O estado não contrata enfermeiros, mas serviços de enfermagem. Mas quem pode fornecer serviços de enfermagem? As empresas que contratam os enfermeiros. O estado gasta o dinheiro, mas ele vai parar ao bolso dos intermediários. Isto não é inovação? Para dizer a verdade, não é. Portugal sempre foi um paraíso para alguns viverem à custa do trabalho de muitos. Qual a necessidade desta intermediação?

O que as pessoas se estão a esquecer é que isto começou na educação, com as célebres actividades de enriquecimento curricular, criadas pela socialista Lurdes Rodrigues, em que as câmaras municipais contratavam não professores mas empresas que colocavam professores a preços idênticos aos que estão agora a pagar aos enfermeiros. E tudo indica que é isto que se prepara para os médicos (leu bem, para os médicos). Dirá o leitor que os preços praticados se devem à concorrência. Não é verdade. Devem-se à forma como o estado decidiu contratar as pessoas de que necessita. Não foi o mercado que determinou estes preços, foi a intervenção do estado. 

Como vou explicar aos meus alunos que devem estudar? Como lhes vou dizer que pessoal altamente qualificado tem como horizonte receber metade do que se paga a uma mulher a dias? Como os posso motivar para subirem ao paraíso que Portugal está, com tanto zelo, a edificar?

4 comentários:

  1. Caríssimo,

    Começou muito, mas muito antes da vossa mal amada Lurdes Rodrigues. Desde há muitos anos que as empresas de consultoria vendem pareceres e case studies em que demonstram que 'externalizar' serviços é do melhor que há.

    Desde há muito tempo que as pessoas da limpeza, da recepção, da segurança, da jardinagem, e até da manutenção e muito mais funções das empresas não pertencem ao quadro de efectivos das empresas mas sim a empresas a quem compram estes 'serviços'.

    Desta forma as empresas que as contratam ficam bem na fotografia (e não coloquei aspas porque nem sei à volta de quê as haveria de pôr) porque, quando se fazem os benchmarkings e se analisam os rácios (e, meu Caro, nisto tudo a única coisa que interessa são os rácios - e pode pôr aspas onde quiser), vai parecer que se faz muito com pouca gente e, logo, que se está muito competitivo e bem organizado. Épater le bourgeois, não sei se está a ver. Quem é que ganha com isto? Claro que são as empresas que se formam para dar corpo a esta extraordinária e vulgarizada forma de gerir.

    No meio disto tudo está sempre o mesmo: uma falta de rigor nas análises (porque, quem analise a sério verificará que, em regra, tudo isto é um embuste), falta de humanismo, falta de visão, falta de tudo o que nunca deveria faltar.

    Por isso, se me permite não chamaria a isto 'inovação'. Talvez chico-espertismo, talvez saloice, talvez burrice, talvez falta de respeito pelas pessoas.

    PS: Há casos, no entanto, em que pode fazer algum sentido haver uma 'bolsa' de profissionais para situações pontuais, as únicas que, em meu entender, pode justificar-se recorrer a este tipo de solução. Mas para isso é que deveriam servir os Centros de Emprego.

    PS2: Se me permite, o que eu acho que deve ensinar aos seus alunos é a perceberem as coisas até à sua raiz de forma a que lutem (inteligentemente) contra este estado de coisas.

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  2. Completamente de acordo. Só há uma coisa que deve ser sublinhada. A novidade é que determinadas profissões que tinham permanecido fora deste tipo de coisas começam a ser absorvidas, com a conivência, nada ingénua, dos que vão estando na governação. Estão a criar uma situação muito desagradável. Pensam que a União Europeia os protege de acidentes de percurso, tipo 25 de Abril e PREC, mas estão enganados.

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  3. Temos um ponto de discórdia que é recorrente. Ao falar, acha que fazem deliberadamente, que têm um fito e o perseguem. Eu, em geral, acho que pura e simplesmente não pensam, nem sabem o que isso seja. Ignorância pura e dura é o que eu acho.

    A política, a economia, a gestão da coisa pública (e privada, em muitos casos) entregue a gente que não pensa, a gente que não dá uma para a caixa.

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    1. Posso estar de acordo com a última parte. Haver muita gente que não pense. Mas há quem pense, há quem saiba perfeitamente quais as consequências destas pequenas ou grandes decisões. Nem todos agirão sob o véu da ignorância. E isto não significa que haja uma conspiração. Há um cálculo de utilidade e uma defesa racional de interesses específicos.

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