domingo, 5 de agosto de 2012

Convocar os mortos

Ernest Meissonier - Memória da Guerra Civil (A Barricada) (1848)

O primeiro-ministro italiano teme a desintegração da União Europeia, uma "dissolução psicológica", diz. Contudo, o universitário alemão Hans-Werner Sinn é menos dado à tropologia ou ao exercício do eufemismo. Segundo Medeiros Ferreira, que cita um artigo do Le Monde, o senhor põe as coisas com a clareza habitual da racionalidade alemã. Os países da zona euro em dificuldades têm duas hipóteses: ou deixam a zona euro ou aplicam as regras do resgate, com uma forte "desvalorização interna" que pode levar aos limites de "uma guerra civil". Leu bem, "guerra civil". 

Não é a falta de vergonha que a enunciação representa. Nem sequer é a clareza com que é dito quais as possíveis consequências das actuais políticas de austeridade (o limiar da guerra civil, repito). O senhor Hans-Werner Sinn não estava a explicar a Passos Coelho e a Vítor Gaspar as consequências das políticas adoptadas. Certamente, pensará que eles devem saber onde elas podem levar. O que o senhor está a fazer é brincar com o fogo e com a memória trágica da história europeia. Como alemão e ainda por cima universitário deveria saber que a guerra civil espanhola (1936-1939) antecedeu a segunda guerra mundial (1939-1945), a qual precedeu a guerra civil grega (1946-1949). 

Será, para a Alemanha do senhor Sinn e de todos os que o apoiam, interessante ver a Grécia e a Espanha no limiar da Guerra Civil? Será motivo de júbilo olhar Itália à beira da Guerra Civil? De Portugal não vale a pena falar. Mas, mais, será inteligente, para um alemão, ver o caminho aberto para a desintegração de Espanha ou de Itália? Não é apenas a União Europeia que está à beira do colapso. Conduzir certos países para o limiar da guerra civil significa criar as condições para o seu colapso. 

Pensará o senhor Sinn que o limiar da guerra civil dos endividados não será ultrapassado para uma efectiva guerra civil e que não alastrará até à sua casa? Mais, julgará que problemas ligados à desintegração da Itália ou de Espanha não vão ter reflexo na Alemanha? Pensará que a herança de Bismarck é eterna? A Alemanha não faz ideia onde nos está a meter a todos e não faz a mínima ideia onde se está a meter. O actual momento político europeu parece uma tragédia de Sófocles. O senhor Sinn deveria saber que não se devem convocar os mortos, pois pode acontecer que eles venham mesmo.

6 comentários:

  1. A última intermitência da morte na Europa dura há mais de sessenta anos, se excluirmos a dos Balcãs, que paises como o de herr Hans-Werner Sinn (e não só) manipularam a seu bel prazer.
    Não quero acreditar que, na conjuntura actual, existam condições objectivas e subjectivas para o desencadear de guerras civis.
    As hipóteses da Itália "partir" e da Espanha se pulverizar estão em cima do mapa, mas sem conflitos de tão larga dimensão.
    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sabe, JRD, o grande problema é que as conjunturas são muito voláteis. De um momento para o outro aquilo que era sólido torna-se líquido e evapora-se. Por outro lado, parece haver forças que, consciente ou inconscientemente, estão apostadas em crias as tais condições objectivas e subjectivas. Imagine-se, apenas, que a União Europeia colapsa. Qual a repercussão nos países referidos? Abraço.

      Eliminar
  2. Concordo que existem forças a quem interessa o colapso da UE, como os USA e a Rússia.
    Mas, sem certezas, mantenho algum distanciamento quanto a guerras civis.
    No entanto, admito que possamos estar diante de uma caixa de Pandora e depois nunca se sabe...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Isso mesmo, diante da caixa de Pandora... Mais, o ser humano tem tendência para não aprender com a História.

      Eliminar
  3. Ultimamente, quais aves de mau agoiro, têm passado por canais que não os nossos diversos programas sobre a Segunda GUerra Mundial...só ontem passaram dois seguidos, um deles uma perspectiva «a cores» desta última grande guerra. O sofrimento daquelas pessoas, milhares, milhões, a França, a Polónia, a Holanda invadidas, a resistência heróica dos ingleses, os mortos, o Êxodo...as crianças famélicas...tudo isto por causa de um homem a quem não aceitaram como aluno de pintora nas Belas Artes de Viena...e de milhões de alemãs que o apoiaram; e que sabiam, sabiam sim do que se passava. A Alemanha destruiu a Europa duas vezes. E nem sequer lhe vejo grande capital social cultural para se «armar» em superior aos outros. TEnho amigos alemães. Mas, sinceramente, começo a pensar se de facto naquela zona geográfica não habitam mesmo monstros que de vez em quando assomam e assombram. Tenho de o dizer, não vejo a Alemanha com bons olhos, e não é só a senhora Merkel. Cuidado. Muito cuidado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, a situação está particularmente problemática. Vale a pena ler o o romance do Bernhard Schlink, O fim de semana, centrado na problemática do terrorismo de extrema-esquerda, mas onde percebemos um traço germânico que perpassa pelo nazismo e no terrorismo, mas que o próprio romance deixa em aberto, isto é, como se a intolerância violente se prolongasse como se fosse uma herança genética.

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.