segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Um suicídio colectivo

Milton Avery - The Baby (1944)

Há sempre explicações sociológicas para aquilo que acontece na sociedade. Também haverá, certamente, para o facto de 2012 ser o ano, desde que há registos, em que nascem menos bebés. As explicações sociológicas abrem caminho para as interpretações políticas e para a algazarra ideológica. Eu sei que o mundo prático em que vivemos encontrará de imediato bodes expiatórios para o acontecimento. Por exemplo, a esquerda culpará a desestruturação do Estado social, a falta de apoio à maternidade. A direita, pelo menos uma parte, elegerá o aborto, o uso de contraceptivos, e os costumes pela queda da natalidade. Outra parte da direita, afirmará que isso terá origem no peso do Estado social que rouba energia e iniciativa à sociedade e vontade desta se multiplicar. Haverá derramamento ideológico para todos os gostos, como é hábito. Tudo isto é legítimo e não vem daí mal ao mundo. Mas deveríamos ser um pouco menos pragmáticos e perder algum tempo a pensar sobre o assunto. 

Uma pergunta que deveríamos formular seria a seguinte: por que razão os portugueses, vendo o abismo à frente dos olhos, se deixam ir sem resistência, sem questionar o caminho, sem pensar nas consequências? A atitude perante o gravíssimo decréscimo da natalidade é idêntica à que têm noutras áreas da vida comum. Deixam acontecer. É duro é olhar para um povo que, faltando-lhe um pastor rígido, não cuida do seu próprio bem, não cuida da sua comunidade, que lhe é indiferente a sua lenta extinção. Como é que esta atitude se instalou em nós, como é que ela permanece mesmo na hora em que tudo parece desmoronar-se? Que estranha pulsão mortal se inscreve em nós que nem o júbilo das novas gerações nos dão um mínimo de prazer? Não são as condições sociais que explicam este acontecimento. Facilmente se dariam contra-exemplos para essa tese. Não, o que é preciso explicar é a predisposição colectiva para o suicídio, uma predisposição com tonalidades metafísicas. A sociologia poderá explicar a superfície do fenómeno, as suas manifestações, mas a causa última do fenómeno permanece misteriosa e dá que pensar.

8 comentários:

  1. "gravíssimo decréscimo da natalidade". Várias são as vozes que assim consideram este fenómeno. Mas seria interessante perceber o porquê. Não o porquê do decréscimo, mas porque é que isso é um problema? Se a questão é a falta de futuros contribuintes, na actual fase do sistema, uma percentagem elevada de jovens aptos a entrar no mercado de trabalho está desempregada. Se a questão é o perigo de extinção, isso dá-me vontade de rir. Será perigo de extinção da espécie humana ou da sub-espécie portuguesa?

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    1. O problema é que não se trata da espécie ou, no caso, da sub-espécie portuguesa. Trata-se da comunidade organizada em Estado que dá pelo nome de Portugal. Não é um problema biológico, mas político, por isso metafísico (mas isso são outras contas). O problema é o desequilíbrio da comunidade, mais um.

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  2. A sociologia não explica a superfície do fenómeno. Bem pelo contrário. Explica o fenómeno em profundidade. A causa primeira e última do fenómeno é a falta dinheiro. Sem tirar nem pôr. Crise. Debilidade económica. E as repercussões no comportamento são o receio do futuro, a precaução nos gastos, etc.

    Há fenómenos difíceis de explicar. Este parece ser facilmente explicado pela correlação de A com B. A: Crise e todas as suas dimensões. B: Natalidade

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    1. Não creio que a falta de dinheiro seja a causa. Já houve situações bem piores e com dinamismo demográfico. E o problema da diminuição de nascimentos já vem de uma época em que não havia crise. Por isso, julgo haver uma atitude mais geral (que não afecta apenas a demografia) e que, por exemplo, o José Gil começou a estudar e para a qual cunhou o conceito de não-inscrição. Penso, contudo, que é um problema mais amplo do que o da não-inscrição.

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  3. "Já houve situações bem piores e com dinamismo demográfico"... É capaz de ser verdade, mas a pílula só surgiu nos anos 60, e em Portugal o acesso à contracepção só aparece ainda mais tarde. Não sei se houve situações piores desde essa altura.
    Além disso, há mais de 100 mil jovens e activos a emigrar por ano, o que significa que está assim, e vai piorar.

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    1. Concordo com ambas as coisas. A expansão do planeamento familiar é relativamente tardio e, nestes tempos, a emigação em massa das novas gerações. Também acho que vai piorar e o que me preocupa é que isto não seja uma preocupação (dos dirigentes políticos e das pessoas que contituem a comunidade nacional). Um desastre.

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  4. Não sei se será suicídio ou antes "genocídio lento". Os recursos naturais não são inesgotáveis e os sintomas de uma tragédia ecológica são cada vez mais visíveis e compreendem o aquecimento global, a redução das reservas de água doce, a escassez de alimentos, etc.
    O problema agudizar-se-á se o crescimento demográfico do planeta, não for acompanhado de medidas adequadas à subsistência das populações.
    Já somos sete biliões e dentro de umas dezenas de anos seremos perto de nove biliões de habitantes.
    Vamos começar a morrer de fome. As primeiras vítimas serão os pobres, claro.
    Só depois, chegará a vez da minoria (culpada) até agora protegida que, quando tiver de apertar o cinto já será tarde.

    Abraço

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    1. Sim, o excesso demográfico é o um problema, mas ao mesmo tempo, do ponto de vista local, o problema demográfico não é o do excesso mas do seu contrário. A humanidade reproduz-se mais onde tem menos capacidade para se sustentar. Este desequilíbrio demográfico não deixará de ter fortes repercussões geopolíticas.

      Abraço

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