Mistério que se renova no
mistério
porta de todo o
deslumbramento…
Lao Tse, Tao Te King, I
Um súbito
rumor, a sombra que desliza, a tarde silenciosa debruçada para o mar. Caminho
sobre a areia molhada e fria, caminho na solidão ferida pelas algas marítimas,
caminho preso ao abismo. Sento-me sobre uma rocha e olho o mar, o vaivém das
águas, o destino das gaivotas sobre o oceano. Contemplo a reverberação da luz solar,
os infinitos raios que se desprendem da agitação marítima, formam figuras leves
e aladas, que a atmosfera traga com um lampejo de cinza, deixando no ar uma
promessa de saudade, o vazio daquilo que não mais voltará.
Levanto-me
e os teus olhos esperam-me silenciosos, olhos que nunca vi e que abrem um sulco
na minha alma, rasgam-me a carne até sentir o ventre pulsar e uma agonia obscura
a dançar no centro do coração. Olho esses olhos e tudo se dissolve, a areia
molhada, o vento marítimo, as ondas que desenham mapas no areal, o oceano
desmemoriado e cruel como a vida. Cada instante, um prenúncio de eternidade, o
desenho de um mistério que se esconde no mistério de um olhar, a vertigem que
faz desabar o mundo para o reconstruir na palidez de uma face, na trama urdida de uma alma.
Sou agora
uma estátua, carne petrificada e suspensa do lago infinito onde os meus olhos
se perdem, mármore branco de onde toda a cor foi sugada para se perder no fundo
que se oculta no fundo de ti. Perdi a memória e a noite escura que, mal os
olhos se tocaram, caiu sobre mim é uma girândola de fogo, um vulcão em erupção,
a luz de mil sóis que se abrem como uma porta para iluminar o mistério da
noite. Trazes em ti a água de todos os oceanos, o perigo de cada ondulação, a dor
de todos os naufrágios. Cego, deixo que a negra luz dos teus olhos ondule no
sangue e desenhe um uivo selvagem no silêncio da voz. Deslumbrado, entro no
mistério desse olhar e já não há noite nem dia, não há luz ou trevas, apenas o
mistério de um rio que, silente e invisível, corre da tua para a minha solidão.
Os seus textos são sempre uma maravilha, sejam eles exercícios de lucidez, de pura simplicidade, de poesia (sempre tão límpida), de rigor, de desalento. Lêem-se as suas palavras e não se consegue ficar indiferente.
ResponderEliminarA perfeição com que as imagens que escolhe se ajustam ao texto - ou o desafiam - são outro aspecto que não posso deixar de notar.
Por tudo isso, como leitora atenta, o meu agradecimento. São presentes que nos oferece, generosamente.
Um feliz Natal, para si e para os seus.
Eu é que fico obrigado pela leitura e pelas palavras generosas.
EliminarUm feliz Natal para si e também para os seus.