sábado, 16 de março de 2013

Meditações Taoistas (15)

Anónimo chinês - Birth of a Child

Gera mas não possui.
Age mas não ostenta.
Alimenta mas não domina.
Eis a excelência misteriosa.
Lao Tse, Tao Te King, LI

Foram precisos muitos anos para chegar aquela hora. O caminho estava no fim e todas as palavras tinham secado no fundo da garganta. Por vezes, recordava o momento em que cada um nascera, as suas primeiras palavras, o temor que algum mal lhes acontecesse. A matriz onde se formaram há muito que estiolara e o seio que os alimentara era agora um turvo sinal na memória. Cada nascimento, porém, estava ainda inscrito no coração. O momento em que o corpo se abria e um novo mundo irrompia das trevas interiores nunca a abandonaria. A súbita dor era o júbilo e a promessa silenciosa de os deixar ir quando a vida os solicitasse.

Cada noite que passara em vigília, cada tormento que enfrentara, os terríveis dragões do desespero que matara, tudo isso escondera de cada um. Fazia o que tinha a fazer. Olhava o horizonte, escutava o vento, tacteava cuidadosamente as rochas escapadas da falésia, e então compreendia no fundo do ventre o que cada um requeria. Com uma precisão que lhe nascia no que havia de mais íntimo, abria caminhos, traçava rumos, desenhava a esperança nos olhos que para ela se voltavam. Depois sorria e deixava que as mãos caíssem ao longo do corpo, como se a sua essência fosse tecida na mais pura inércia.

Agora chegara o tempo de partir. Era grande o cansaço e a terra tomara um peso doloroso. Ninguém precisava dela. Sim, tinha havido um tempo em que dera a cada um aquilo que ele dela esperava. Mas quando chegava o dia propício, abria-lhe a porta e dizia-lhe: “Eis o vasto mundo que te espera. Chegou o momento de dares o que recebeste. Quando nascerem os teus filhos não os faças escravos dos teus anseios nem os submetas ao medo. Deixa que cresçam sob a intempérie, que aprendam a ouvir a tempestade e que amem a voz do trovão. Não prendas o que nasceu para ser livre nem faças dele o seguro da tua velhice. Que eles aprendam contigo a alimentar os filhos que irão ter, sem que na sua memória exista outra coisa apara além do segredo que também eles partirão para construir a sua casa e edificar um mundo.” Quando saíam, fechava-se e chorava no silêncio da noite, como se a carne se rasgasse e a vida jamais se pudesse recompor. Chegada a aurora, erguia-se e sentava-se na rua à espera que o vento lhe trouxesse notícias daquele que partira.

2 comentários:

  1. Excelente! Uma bela metáfora, ainda que dolorosa porque o que devia suceder naturalmente, acontece como uma fatalidade que caíu sobre muita gente.

    Bom Domingo

    Abraço

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    1. É verdade, o que deveria ser a natureza das coisas tornou-se uma triste fatalidade. O que significa dizere que a liberdade se transformou em destino.

      Bom domingo.

      Abraço...

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