quarta-feira, 20 de março de 2013

Saber e ensinar

Marlene Dumas - The Teacher (sub a) (1987)

O médico cura não porque tem a saúde em acto, mas porque tem o conhecimento da arte médica; já o professor ensina precisamente porque tem o conhecimento em acto. (S. Tomás de Aquino, De Magistro, art.º 2 - Resp. às obj. 6)

Duas linhas de Tomás de Aquino bastam para mostrar quanto as teorias pedagógicas do século XX e XXI (tão dominantes em Portugal) são absurdas. O que marcou estas pedagogias foi a secundarização da posse do conhecimento em acto (conhecimento que está presente e age no agente, o professor) e a sua substituição pelo domínio de técnicas pedagógicas que, segundo os corifeus do pedagogismo, abririam a mente e a vontade dos alunos à suprema vontade de aprender a aprender (voltarei, com Tomás de Aquino, ao aprender a aprender). O pedagogismo seria, para falar como Tomás de Aquino, um conhecimento da arte de ensinar que permitiria a um professor, que não tivesse conhecimento de uma matéria, tornar os alunos sábios. Um puro devaneio.

Esta gente, que nunca leu Tomás de Aquino ou qualquer outro autor que mereça ser lido, não compreende que só o domínio, por parte do professor, de um conhecimento lhe permite ensinar. Um professor não precisa de técnicas pedagógicas inovadoras, precisa de mastigar aquilo que ensina até que se torne carne e sangue da sua carne e do seu sangue. Estando assim o saber adquirido e consolidado pelo professor, logo lhe ocorrerá, em cada situação, qual o caminho para chegar aos seus alunos, logo lhe ocorrerá criar as situações de aprendizagem mais adequadas. Que este ensinamento de Tomás de Aquino já não seja compreendido atesta bem o grau de degradação a que a nossa época chegou.

12 comentários:

  1. O resultado da pedagogia sedutora terá sido, então, a rejeição da carne e do sangue, do conhecimento.

    (Não conhecia as duas linhas de Tomás de Aquino que cita. Gostei.)

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    1. O De Magistro faz parte das Questões Disputadas sobre a Verdade (a 11.ª de 29).

      Diria, de preferência, que é a rejeição do conhecimento enquanto carne e sangue do que ensina. O que está em jogo é, falando teologicamente (já agora), uma questão de transubstanciação, a transformação de um saber em matéria vital.

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  2. Nem preciso de to dizer: concordo inteiramente contigo, como já sabes. Mais ainda: quanto pedagogismo não serve precisamente para disfarçar um saber mal consolidado... enfim, conversa demasiado longa para caixa de comentários ...

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    1. De facto, o pedagogismo - ou pedagogês - serve mesmo para disfarçar. Disfarçar saberes mal consolidados e disfarçar um efectivo desinteresse por tudo o que seja saber. Em última análise, o pedagogismo é a manifestação de um supremo desinteresse pela vida, por uma vida que mereça ser vivida.

      Mas tudo isto já sabes e já viste muitas e muitas vezes.

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  3. Aprendendo. Aprendendo sempre!

    Um abraço

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    1. Ou como dizia o outro: Que fazer?

      - Aprender, aprender sempre!

      Abraço

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  4. será que conhecimento profundo e pedagogia se excluem mutuamente?
    Serão mesmo rivais?
    Quem lê R. Steiner não pode ler s.tomás de aquino?
    As estratégias de que fala no seu texto terão efeitos muito diversos consoante o estado do barro, errar a estratégia pode aniquilar a curiosidade.
    A posse do conhecimento não tem que equivaler a humanidade.
    a inabilidade comunicacional e humana de um conhecedor profundo pode transformar um professor num mr hide, sobretudo nos pimeiros anos de escola.



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    1. O que eu contesto é a existência de uma pedagogia exterior ao próprio conhecimento. Uma pedagogia abstracta que se aplicaria a qualquer coisa, uma espécie de técnica milagrosa. Claro que não basta dominar uma matéria para ser professor. Há um conjunto de dotes pessoais necessários para comunicar com o outro. E a selecção de professores deveria passar, rigorosamente, por essas suas coisas, domínio do conhecimento e capacidade de estar perante os alunos. Estar perante significa estar com eles. A "pedagogice" é uma tentativa espúria de evitar confessar que se falhou na selecção de professores.

      Depois, é preciso perceber que há que diferenciar o tipo de atitude professoral em conformidade com os públicos alvo. Quando se mete tudo no mesmo saco e se avalia tudo pela mesma bitola estamos a cometer erros inaceitáveis.

      A minha experiência está no secundário. Qual é o grande problema que tenho detectado? Muitos alunos não deveriam estar no tipo de cursos em que estão. Não têm vocação nem vontade de aprender. Estão lá porque sim. Precisavam de outras vias de formação diferentes daquela.

      No fundo, é tudo uma questão de selecção. Tanto de professores como de alunos. É a incapacidade de assumir o ónus da selecção que conduz as coisas à degradação onde se encontram. A pedagogice nasce daí.

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  5. Inteiramente de acordo, os efeitos da democratização do ensino não foram previstos e as consequências reflectem-se. A escola que foi durante muito tempo um apertado filtro ( social, cultural) é hoje um mar indiferenciado de gente que não está na escola para estar na escola mas porque sim, porque é obrigatório.
    ( e eu sou favorável à democratização, mas a uma democratização que tivesse acautelado as missões de cada actor dentro da escola e que apoiasse aqueles cuja vida os continua a manter num estreito beco sem saída, o da exclusão)

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    1. O que teríamos precisado era ter alterado os filtros da selecção. Deveríamos ter criado uma escolaridade inicial de grande qualidade e onde os talentos provenientes das diversas classes sociais fossem acompanhado e trabalhados, criando ao mesmo tempo mecanismos de compensação para evitar que determinadas condições económicas e sociais transformem crianças altamente dotadas em casos perdidos. Mas isto tem limites. A partir de determinada altura é inútil qualquer esforço para manter alunos - seja qual for a sua proveniência - dentro de certo tipo de escolarização. A selecção deveria começar - de forma relativamente branda - já no 6.º ano, mas de forma acentuada no 9º ano. Selecção feita através de critérios universais e imparciais, como por exemplo exames bem pensados e bem construídos. Seleccionar não significa, porém, excluir. Deve significar distribuir por formações sérias adequadas ao perfil das pessoas.

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    2. absolutamente de acordo, seleccionar não equivale a excluir, alías a falsa inclusão é bem mais geradora de exclusões e abandonos.
      se a escolaridade inicial fosse de grande qualidade os talentos seriam multiplicados como na parábola.
      É escandaloso o que se passa na passagem do 9º para o 10º, pais e filhos a forçarem-se a uma progressão aparente que muitas vezes não corresponde sequer às capacidades, já o tinha observado com o meu filho mais velho mas este ano, com a minha filha a coisa foi ainda mais gritante, de uma turma de 27 alunos apenas 5 possuem notas para transitarem para o 11º, os restantes têm negativas às disciplinas gerais e específicas, revelando fragilidades estruturais que lhes dificultarão a vida académica sempre.
      ( queira desculpar o espaço que ocupei)

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    3. Não há nada para desculpar. Muito obrigado por ter vindo aqui e ter participado com os seus comentários.

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