segunda-feira, 29 de abril de 2013

A gélida lição islandesa

Caspar David Friedrich - The Sea of Ice (1823-25)

A vitória dos partidos de direita, responsáveis pela bancarrota, nas eleições de ontem na Islândia merece meditação. As medidas de austeridade impostas pelos acordos com FMI e a intenção de fazer aderir a Islândia à União Europeia podem ter causado a derrota da coligação de esquerda. Talvez a ameaça de adesão à União Europeia seja, para os islandeses, uma ameça maior do que entregar o país a quem o levou, com políticas de desregulação, à ruína. Tudo isso, todavia, é irrelevante. A Islândia só se tornou importante porque, durante um pequeno lapso de tempo, ela parecia dar corpo a uma possível alternativa às políticas neoliberais ou ordoliberais. Tinha-se tornado mesmo numa espécie de nova Albânia (claro, democrática e livre) para novas peregrinações ideológicas dos que sentem o perigo que a deriva actual do mundo contém em si. A derrota de ontem tornou-se, por isso, um acontecimento terrível. Foi como se os islandeses dissessem ao mundo: percam qualquer esperança. Na verdade, não há nenhum lugar para onde peregrinar em busca de salvação política. Quem quiser tratar da salvação deverá entrar para um convento. Quem quiser fazer política deve olhar para a realidade. Ora a realidade está longe de ser uma coisa bonita de ser ver. Mas é com ela que as pessoas terão de viver. Isto não significa que só haja uma maneira (a liberal) de operar na realidade. Significa apenas que ainda não se encontrou outra consistente para lidar com ela. Significa também que aqueles que querem uma alternativa ao actual estado de coisas estão a procurá-la no lugar errado.

8 comentários:

  1. Tem toda a razão (como quase, quase sempre) no que diz neste pequeno texto...Tenho andado em modo meditabundo sobre o assunto e até houve alguns ensaios de discussão sobre o tema na rede social Facebook entre alguns amigos meus e a minha humilde pessoa...Alertei num desses comentários que a serpente do ultra neoliberalismo se anicha mais entre os centros direita do que nas Esquerdas, como é óbvio, e que, por isso, via com grande apreensão esta vitória lá nos glaciares...Encontrei um artigo que creio vale a pena ler, está em inglês e é longo mas, se tiver tempo, aqui lho deixo...tens algumas respostas interessantes. Bravo pelo texto!

    http://clicks.aweber.com/y/ct/?l=P4jV6&m=3Vu9TcVfK0e3Fj_&b=Iz5mdt6dNDQk3AeCbp0Lmw

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    1. Julgo que um dos problemas é o da linguagem. Fala-se em liberalismo e há que encontrar um antídoto para esse veneno. Ora talvez fosse interessante colocar a seguinte questão: o que tem o liberalismo que permita a emncipação das pessoas, o encontro e a realização de uma verdadeira autonomia? Como pode aquilo que parece mortífero ter um princípio de libertação? Há toda uma análise crítica da teoria e da praxis liberais por fazer. Muito obrigado pelo artigo. Vou tentar ter tempo para o ler.

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  2. Cá para mim o que se passa é bem mais básico do que tudo o que se pensa: as pessoas votam contra.

    Contra o que for que as faça perder qualidade de vida.

    Aconteceu quase a mesma coisa na Grécia ou na Espanha. Estão uns e a coisa corre mal, vêm outros e (obrigados a isso ou não) a coisa corre mal na mesma e votam contra, voltam os mesmos de antes e, se voltar a correr mal,as pessoas vão votar contra. Até que apareça alguém que atine.

    O que as pessoas querem de volta é alguma qualidade de vida e alguma confiança e vão expulsando todos (sejam quem forem) os que não lhes tragam isso.

    Como os que surgem são todos figuras fraquíssimas, ninguém convence e vão sendo corridos.

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    1. É plausível que assim seja. No entanto, a questão da adesão à União Europeia deve ter tido um peso grande. Apesar da austeridade, o governo que perdeu as eleições pôs a economia a funcionar e minimizou os estragos para além do que seria previsível. Mas isto é olhar de muito longe e apenas com a informação que vem na comunicação social.

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  3. A maioria dos islandeses ficou "rota" e deixou escapar a memória pelo buraco.
    Digo eu, que até nem estou muito longe...

    Abraço

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  4. De nada, em relação artigo...como dizia o Jorge há uns tempos, talvez vivamos um tempo do pensar em vez de um tempo de agir...mas é preciso pensar rapidamente para se poderem fazer as escolhas que permitam a todos uma vida digna.

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  5. Penso que, neste caso, não faz sentido pensar na velha divisão e sectarismo "esquerda"/"direita", que estão a ficar obsoletos devido às experiências falhadas de ambos. Na minha opinião, o que se passou foi que, entre a mundialização através da UE, por um lado, e continuarem, na medida do possível, donos dos seus destinos, os islandeses preferiram a 2.ª hipótese. Logo, na minha opinião não há qualquer mudança ou derrota do espírito que levou a que a Islândia seguisse o caminho que seguiu há uns anos atrás.
    Paulo Rodrigues

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