terça-feira, 30 de abril de 2013

Da imaginação e da razão

Caspar David Friedrich - Woman with Candlestick (1825)

Há dias,  numa deambulação por blogues de gente ligada à filosofia, deparei-me com um post que verberava aqueles que na filosofia trocavam o argumento lógico, fundado em conceitos claros, pela metáfora. O autor, orgulhoso do seu entendimento e seguindo uma corrente agora muito em voga em Portugal, reduzia a actividade filosófica ao exercício do cálculo lógico das proposições. Mas será esse o papel do filósofo? Será a filosofia um jogo de troca de argumentos logicamente concatenados e fabricados a partir de conceitos claros e distintos?

Ao olhar para o quadro de Caspar David Friedrich  percebo dois níveis. Num dos níveis, vejo uma realidade iluminada. A luz permite que eu pense e produza um conjunto de teorias sobre aquilo que a luz deixa ver. Mas se fico a olhar longamente o quadro começo a perceber que a outra parte, aquela que permanece na obscuridade, dá muito mais que pensar. Porque é obscura, o pensamento hesita, tem dificuldade em dominá-la. É aqui que intervém a metáfora. Ela é a primeira resposta àquilo que dá que pensar, é uma luz ténue perante a obscuridade, o primeiro sintoma de um desejo de saber. E não é a filosofia, como a etimologia não cessa de recordar, esse desejo de saber?

Desde sempre que a relação entre metáfora e conceito filosófico foi atribulada. Contudo, o que toda esta gente, embevecida com a clareza lógica, não percebe é que os conceitos filosóficos fundamentais, com os quais se fabricam problemas e se organizam teorias, são metáforas, umas vivas e outras mortas. Todo o exercício da razão é feito sobre o fundamento da imaginação. Reivindicam, ufanos, a sua actividade como científica, não percebendo que não passam de maus poetas.

5 comentários:

  1. A Filosofia é para mim um "mistério". Reconheço.
    Mas creio que não saberia pensar sem recorrer à metáfora.

    Abraço daqui, sem frio e com um sol "do sul".

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Em filosofia a metáfora - isto é, a poesia - suscita reacções desencontradas. Isto começou logo com Platão. Originariamente, ele era um jovem poeta trágico. Sócrates, porém, impôs-lhe que rasgasse as tragédias. E ele, para seguir Sócrates, rasgou-as. O problema é que os diálogos, apesar de conterem um aparato lógico, recorrem inúmeras vezes à ficção. Os principais conceitos não deixam de ser metáforas. Em resumo, quando a metáfora é expulsa pela porta principal logo entra pela das traseiras.

      Boa estadia por esse norte com sol

      Eliminar
  2. Muito obrigado pela lição.
    Ainda bem que a metáfora (re)entra, seja pelas traseiras ou até por uma qualquer janela.
    A luminosidade deste sol faz com que me sinta em casa e "estou mesmo".

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bem, não se trata propriamente de lição mas de troca de informação.

      Abraço

      Eliminar
    2. Será. Mas nesta troca, como gentilmente lhe chama, eu fico altamente beneficiado.

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.