quarta-feira, 3 de julho de 2013

A demissão de Paulo Portas "for dummies"

Francisco Arjona - ¡Adelante con la duda! (1985)

Perante a demissão de Paulo Portas, depois do choque sentido, convém fazer um exercício de racionalização e compreender aquilo que se está a passar. Os pressupostos de onde se parte são os seguintes: a) os agentes políticos são racionais e tomam decisões racionais que melhor servem os seus interesses políticos; b) em situações críticas, como a que vivemos, os interesses dos agentes políticos têm em conta o interesse comum, tal como este pode ser percepcionado pela maioria da opinião pública, caso contrário, o interesse do agente político será cilindrado por essa mesma opinião pública; c) a análise que se vai fazer é meramente especulativa, correndo o risco de ser rapidamente desmentida, mas é independente das preferências pessoais de carácter ideológico-político.

1. Razões da demissão: a) a nomeação de Maria Luís Albuquerque para o cargo de ministra das Finanças não é uma razão da demissão de Paulo Portas, mas um mero e muito útil pretexto; b) a razão número um que levou à demissão reside no compromisso que Portas tinha de apresentar o guião para a denominada reforma do Estado. Pura e simplesmente, o líder do CDS-PP não quis associar o seu nome a uma tragédia inominável e ficar com o ónus desse conjunto de medidas; c) a fragilidade política do governo, o isolamento do primeiro-ministro, a ausência de um consenso social mínimo anunciavam uma segunda parte da legislatura muito penosa para a maioria, sem que o CDS-PP conseguisse demarcar-se do governo. A estratégia da demarcação, habilmente usada por Portas até aqui, tinha chegado ao fim; d) a terceira razão está ligada ao momento político europeu, ao timing, digamos assim, das eleições alemãs. Portas deve ter compreendido que a política de austeridade na Europa não tem futuro e, se o tiver, vai acabar por destruir a União Europeia. Por que motivo haveria de ficar ligado, como o pai da reforma do Estado, a decisões que acentuam a política actual? Politicamente prudente será esperar para ver o que acontece na Alemanha, e Portas decidiu dar a si e ao país o compasso de espera necessário; e) por fim, comprometer, na solução futura, que será sempre penosa, o Partido Socialista, alargando a base de apoio do governo, e isso só se consegue através de eleições antecipadas.

2. Riscos estratégicos: a) convulsões sociais: período pouco propício a convulsões sociais e a existência de eleições antecipadas diluirá ainda mais esse risco, canalizando para o voto o protesto social, que com a queda do governo fica sem alvo; b) convulsões políticas: algum crescimento do PCP e do BE, mas irrelevante para os objectivos do arco da governação. Mesmo com votações na ordem dos 40% (coisa absolutamente impensável), o peso político da esquerda à esquerda do PS é, nos tempos que correm, diminuta, como se viu na Grécia; c) derrapagem da dívida: acontecerá, mas aconteceria na mesma com o governo em funções e a coligação em harmonia, pois a derrapagem combina elementos estruturais com elementos conjunturais, políticos, que, devido à ideologia dominante, tendem a emergir como estruturais; d) reacção dos parceiros da UE: devido à pressão política da Alemanha e da Europa do Norte, o compasso de espera poderá acabar por ser inútil, mas aí Portas não fica sozinho com o ónus e leva com ele o PSD e o PS; e) destino pessoal: Portas já percebeu que nunca chegará a Presidente da República, pelo menos com o apoio do PSD, resta-lhe a hipótese de sair da política como sendo aquele que restabeleceu as pontes entre o arco governativo e criou as condições para uma espécie de "união nacional"; o risco reside numa maioria absoluta do PS que o tornará dispensável.

3. Derrotados e vitoriosos: a) Passos Coelho é o primeiro derrotado, pois perdeu qualquer condição para governar, tornou-se cadáver político à procura da sua própria morte; b) Cavaco Silva é o segundo grande derrotado. Portas fez aquilo que Cavaco foi incapaz de fazer e mostrou que Cavaco não tem autoridade, nem saber nem perspicácia política para o cargo que desempenha; c) António José Seguro é o terceiro derrotado. Ele pedia há tempos eleições, mas era para inglês ver. Agora vai ser obrigado a ir a jogo e pôr as mãos na massa, vai ser obrigado a comprometer-se, o que é sempre uma enorme chatice; d) PCP e BE também estão longe de poder cantar vitória, pois vão ter de explicar como tirariam o país desta situação e vão ser confrontados com a sua votação; e) Paulo Portas escolheu entre ser um derrotado ficando no governo, sendo obrigado à rábula da reforma do Estado, ou abrir uma nova situação onde talvez, sublinho o talvez, ainda possa ter uma palavra a dizer numa saída para o país. O gesto de Paulo Portas tem alguma grandeza trágica, aliou o seu destino pessoal ao destino do regime: salva-se se o regime se salvar e encontrar uma nova plataforma que permita ao país sair da situação onde se encontra.

2 comentários:

  1. Um texto muito lúcido para uma análise objectiva e esclarecedora da situação em que nos encontramos.
    Não sendo propriamente um leigo, há muito que deixei de me embalar pelo embuste permanente do "wishful thinking" que corresponde, grosso modo, a confundir com a realidade tudo o que, não sendo mais do que um desejo interiorizado e repetido à exaustão, se vai transformando numa espécie de "embaralha e torna a dar" em que o jogo sai normalmente branco.
    Importa portanto reconhecer que, tendo em conta o actual quadro de referências, é difícil sonhar que são estas, as urnas que vão fazer mudar o mundo.

    Abraço

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    1. As urnas não vão mudar, mas são uma solução para o que se está a viver. Por quanto tempo? Não faço ideia.

      Abraço

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