quinta-feira, 18 de julho de 2013

Igualdade e rivalidade

Joaquin Sorolla y Bastida - As duas irmãs (1909)

Estou em maré de falta de respeito pela lógica. Ao observar o comportamento das minhas netas, fez-se luz, no meu pobre e triste cérebro, acerca da persistência na humanidade dos ideais igualitários, entre eles o comunismo. Serão elas umas terríveis e precoces teóricas da igualdade? Claro que não, as pobres só têm dois anos e meio, uma, e quase cinco, outra, e comportam-se como todas as crianças da sua idade. E o problema está todo aí. Não há coisa que se dê ou faça a uma que a outra não queira exactamente o mesmo. Se não o obtiver sente-se injustiçada  e discriminada. A exigência de igualdade é, para elas, uma norma absoluta. 

Dir-se-á, não sem alguma razão, que o crescimento e a socialização moderarão esta atracção pela igualdade material, e um principio de rivalidade, nomeadamente em relação aos que estão fora da família, mas também  aos próprios irmãos, fará o seu caminho, sendo uma espécie de fundamento antropológico do ponto de vista liberal. O que é importante sublinhar, contudo e nestes dias de incenso à rivalidade, é a força deste igualitarismo originário. 

Um dos problemas que conduziu à falência de todas as experiências comunistas foi a anulação - na verdade, foi apenas um transfert da vida económica para a vida política dentro dos partidos comunistas - da inclinação para a rivalidade que existe em todos nós. O que é preocupante no liberalismo, por outro lado, é a anulação da aspiração à igualdade, aspiração que está depositada bem fundo no coração humano. Na verdade, aspiração à igualdade e inclinação para a rivalidade são duas faces da mesma moeda. Quando pretendemos separar e deitar fora uma das faces, destruímos a moeda. Foi isso que aconteceu nos países comunistas. É isso que está a acontecer nos países ocidentais.

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E com esta indução, fundada na observação de um único caso, este blogue dá a si mesmo um justo intervalo de meia dúzia de dias. Não são férias do blogger, mas um intervalo do blogue. Alors, a bientôt!

8 comentários:

  1. Sem dúvida... eu diria que não é possível isto existir de forma decente sem essa vertente yang yin. :) Como em tudo... Boa pausa, Jorge! Também estou a precisar. Um beijinho de colega para colega :)

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    1. Muito obrigado, Faty Laouini. A ideia é, nos dias de hoje, podermos ficcionalizar uma vida equilibrada e segundo a justa medida. Um beijo também para si e umas boas férias.

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  2. Não sei se é ânsia de igualdade ou se é não querer prescindir de nenhuma experiência ou de nenhuma oportunidade ou não querer abdicar de nenhum privilégio. (Na volta é isso a igualdade a que se refere)

    Se um se senta na cadeirinha pequenina, logo um grita: 'a cadeira é minha'. Se um pega numa caneta logo há um grita que 'essa é a minha caneta' e logo aparece outro a querer tirá-la para si. Três a disputarem uma coisa de nada. Daqui por uns meses temo que o que agora ainda não fez 1 ano, já se junto ao grupinho. Se escolho um livrinho que me parece adequado a cada um, todos se concentram e disputam o primeiro livro a ser aberto. Um tem 4 anos, outra a caminho dos 3 e outro com 2 feitos há pouco tempo: todos a puxarem pela mesma coisa.

    A minha filha diz: 'tudo igual para todos, é a única maneira de não haver bulha'.

    NB: Não retiro conclusões e também não me arrisco a fazer generalizações...

    Boas férias!

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    1. Mas é bom correr riscos, mesmo o risco de fazer generalizações. Observar as crianças, do ponto de vista já não de pai mas de avô, permite ver coisas que passaram despercebidas, e coisas que trazem ensinamentos interessantes. E se elas, as generalizações abusivas, forem desmentidas qual o problema? No fundo, generalizar faz parte de imaginar como o mundo pode ser. E talvez seja a única coisa que nos resta, imaginar esse poder ser.

      Obrigado pelos votos de boas férias, voto que retribuo, caso também entre de férias. caso contrário, votos de continuação de bom trabalho.

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  3. É uma tendencia ( o computador nao tem acentos) inata para transformar em coisas com peso e forma uma métrica do amor, no fundo a unica coisa que verdadeiramente lhes importa.
    Conheço um bocadinho a realidade e mesmo sem estudos de caso, nem sondagens que o sustentem, atrevo-me a dizer que aprender a conviver com as diferenças também pode começar aí.
    Jamais daria a mesma quantidade de alimento físico a um jovem adulto de 19 e a um imponente pequenote de 4, por muitas reclamaçoes que isso suscite, e quem fala em alimento físico fala em liberdade, fala em espaço para intervir nalgumas decisoes, e por ai fora.
    Bom Descanso


    http://youtu.be/01S4kKcEDag

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    1. Também interessante é o facto de a rivalidade nascer juntamente com o desejo de igualdade. São inextricáveis. depois, como diz, a educação introduz - deve introduzir a - a diferenciação, mas nunca aniquila a aspiração à igualdade de tratamento. No fundo, é o desejo de reconhecimento que está em jogo.

      Muito obrigado pelos votos de bom descanso. Igualmente para a Rita, se for esse o caso.

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  4. Como só tenho um neto, o problema ainda não se coloca intra-muros, mas no infantário já se vão notando algumas "manifestações de posse".
    Quero acreditar que em breve vai perceber que algum individualismo moderado até pode ser útil ao colectivo.

    A bientôt!

    Amitiés


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  5. Vejo que há aqui uma piada para mim.Já agora relembro que no outro post em que debatemos algumas ideias houve comentários meus que não foram publicados. Tudo bem, o Blogue é seu. Mas dar ao outro o direito de expor as suas ideias é um princípio democrático muito bonito. Neste post, apesar de partir de uma experiência limitada, a das suas netas (que eu confirmo com as minhas filhas, embora pouco convictamente, e que eu rejeito com a minha experiência- a minha mãe sempre me disse que eu me contentava com pouco e não reclamava o que era dado aos meus irmãos), procura mostrar que há no ser humano uma espécie de desejo de igualitarismo originário. Eu podia dar outros exemplos: alunos que eu tenho que se queixam que são indiscriminados, cidadãos, comentadores que falam de injustiças, se visitarmos os comentários dos jornais on line vemos pessoas a queixarem-se. Aliás, a criação do direito e de muitas normas do direito focam este este desejo de ser tratado de forma igual. Penso que aqui há dados suficientes para podermos concluir o que o Jorge concluiu, desde que não consideremos como uma norma moral absoluta. Ainda por cima a sua conclusão não aparece de forma categórica, mas como uma proposta que considera bastante verosímil. Há mais factos em que apoiar a sua opinião do que no post anterior (em que não é dito nenhum)Neste caso não me parece haver falta de respeito pela lógica.

    O que me parece que não é original é a tese final: "Um dos problemas que conduziu à falência de todas as experiências comunistas foi a anulação (...) da inclinação para a rivalidade que existe em todos nós. O que é preocupante no liberalismo, por outro lado, é a anulação da aspiração à igualdade, aspiração que está depositada bem fundo no coração humano.

    Parece-me que já li isto em qualquer lado. Será José Gil?

    Boas férias, e espero que considere as minhas críticas construtivas e que sirvam para melhorar.

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