segunda-feira, 8 de julho de 2013

Os mortos que ninguém chora

Jacob Lawrence - They were very poor (1940-41)

A primeira saída de Roma do Papa Francisco foi para se dirigir à ilha de Lampedusa, a ilha que serve de porto de abrigo a milhares de imigrantes vindos do Médio Oriente e do Norte de África. Muitos desses imigrantes morrem em naufrágios. São os mortos que ninguém chora. O Papa lembrou-se deles, lembrou-se dessa gente que, por certo, não será católica, gente que ninguém quer. E lembrou-se de uma outra coisa, da necessidade de despertar as consciências para combater a globalização da indiferença.

Em princípio a Igreja não faz política, em princípio. Mas quando se escolhe chorar os mortos que ninguém chora ou afirmar a necessidade de combater a globalização da indiferença, está-se a tomar posição. Como se toma posição quando, como aconteceu ontem nos Jerónimos, numa primeira missa se é rodeado pelo poder, pelos agentes nacionais da globalização da indiferença. 

Gostava muito que em cada bispo da Igreja Católica houvesse um Papa Francisco. Não para afrontar quem quer que seja, mas para chorar os mortos que ninguém chora, para lembrar que, na miséria mais extrema, também está presente a humanidade e, segundo a crença dos cristãos, a imagem e a semelhança de Deus. Para lembrar que pode haver outro caminho político que não a globalização da indiferença (uma potente imagem de crítica política). 

6 comentários:

  1. O único morto dos Jerónimos que estava/está bem vivo é Camões.
    Os outros, autênticas piranhas de água benta, ainda estrebucham mas vão entrar em decomposição.

    Abraço

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    1. O problema é a pestilência segregada pelos corpos em decomposição.

      Abraço

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  2. Foi precisamente essa indiferença, os mortos sem nome nem luto, que me fez iniciar o meu pequeno blogue em 2011.
    http://bolosenoradrenalina.blogspot.pt/2011/08/ilhas.html
    Pena que Francisco não irradie para todos os seus bispos essa defesa de quem não existe mas morre e sofre.
    Obrigada pela sua reflexão.

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    1. Pena que muitos bispos não deixem chegar a si a luz que irradia de Francisco.

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  3. Belíssimo texto, acerca de uma questão que desde sempre me tocou muito. Desde sempre, mesmo. De facto, há mortos (e vivos) valiosos e outros nem por isso. Triste, não é? Era bom que certos preconceitos desaparecessem, pelo menos como resultado da sensibilidade que significa ver em que condições partem das suas terras, atravessam os perigos e chegam ao velho continente. Quando chegam, claro.

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    1. Este Papa deu um passo decisivo, como tem sido o seu hábito. Parece-me uma pessoa muito intuitiva.

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