domingo, 8 de setembro de 2013

A transfiguração da pátria (6) A decomposição da cal

Georgia O'keeffe - Black Place III (1946)

Oiço o negro salmodiar das ruas,
o anúncio de um outro, o pestífero calvário.
As paredes garatujadas e sujas, restos de
caliça, sombras conjuradas pela noite.
Um destino de erva seca espera-nos
e se uma porta se abre, o vazio chega.

Que fazer dos caminhos do homem, se tudo arde?
A breve decomposição das pétalas anuncia
a longa degeneração da estirpe,
os ossos fragmentados, a pele seca,
o corpo arrastado pelo estremecimento da vida.

Mães peregrinam, os joelhos na terra, o coração
rasgado em cada filho que não nasce.
O salmista desce do cavalo e abre as mãos,
anjo impuro escondido numa caverna,
e traça um círculo de sombra púrpura
na poeira metálica que da pátria se desprende.

2 comentários:

  1. De pátria que foi cruel "lugar de exílio", até ser ruína decadente e madrasta, a História marcou-a pela fatalidade.

    Boa semana

    Um abraço

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    Respostas
    1. Na verdade, a pátria é uma metonímia deste mundo que nos coube em sorte, um mundo onde as ruínas espreitam sob o brilho do neon.

      Boa semana

      Abraço

      Eliminar

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