sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O fim de uma ilusão?


Talvez Portugal não seja mais que uma ilusão. Uma ilusão persistente, certamente, mas ainda assim uma ilusão. Nasceu, no século XII, pela ambição e voluntarismo da elite política luso-galaica, a qual criou um Estado e cuidou de inventar um povo inexistente, o povo português. Durante os nove séculos de existência, o Estado, nas suas diferentes encarnações, tratou, para além dos pequenos e grandes negócios das elites, de cultivar e dar substância a essa ilusão que se chama Portugal.

Os séculos XIX, XX e XXI (já lá vão treze anos deste) foram tempos de modernização de Portugal, com múltiplos avanços e múltiplos recuos para criar uma sociedade livre e, ao mesmo tempo, com um módico de decência e de equidade social. São 200 anos de tentativas de aproximar as elites e as gentes miúdas, são 200 anos de esforços para quebrar a fatalidade de um destino marcado por enormes diferenças sociais, são 200 anos de ensaios para tornar o mérito e a mobilidade social factores dinâmicos na nossa sociedade.

Como já escrevi nesta coluna, nos últimos decénios houve dois momentos onde pareceu possível realizar o sonho de uma sociedade livre e socialmente justa. O primeiro nasceu com o 25 de Abril e foi morrendo entre utopias, equívocos, golpes de força e tensões que lá se foram gerindo com alguma sensatez. O segundo, mais adequado à nossa situação europeia e à nossa cultura ocidental, emergiu com a adesão à Europa, a Europa da CEE, para morrer na crise que foi iniciada em 2008 pelas trafulhices da economia financeira internacional e que desabou, sobre os portugueses, como crise de dívida soberana, aquela que está a tornar evidente o quão frágil são as nossas instituições e a nossa sociedade civil.

Enquanto português – português que gosta da ilusão da viabilidade política de Portugal – há dois dados que me deixam, ao entrar no ano em que a transição à democracia perfaz 40 anos, muito preocupado. Em primeiro lugar, é o retorno em força da emigração, mas agora de uma emigração de gente com formação, de gente já diferenciada, de pessoas que não sonham voltar para Portugal, fazer a sua casa na aldeia e enviar para cá as suas poupanças. Querem o mundo cosmopolita que os recebeu e é aí que sonham viver e educar os filhos. Em segundo lugar, a queda incontrolável da natalidade. Não apenas os portugueses saem, como os que ficam não parecem interessados que a comunidade – aquela a que chamamos Portugal – tenha um futuro. Teremos força para inverter este destino ou aproximamo-nos do fim de uma ilusão?

P.S. Para todos os leitores, um feliz Ano Novo.

2 comentários:

  1. A ilusão que fomos e somos teve alguns lampejos: 1143 (?), 1383, 1640, 1820,1910, 1974, 1986(?), mas foram sempre sol de pouca dura.

    Já no que diz respeito à Diáspora, que deixou de ser uma galinha dos ovos de ouro, falaram dela um destes dias, mas para além de um banqueiro e de um canastrão de Hollywood apenas se registou um intragável cacarejar do Cavaco.

    A partir de agora só o último verso desta balada vai fazer sentido:
    https://www.youtube.com/watch?v=b_KWWzH2nCw

    Bom fim-de-semana

    Um abraço

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    1. Aquilo que continua a merecer interrogação é por que razão só temos esses pequenos lampejos, para logo tudo se dissolver na mais abjecta iniquidade. É evidente que Cavaco não é pessoa para interrogações. Nunca se engana e raramente tem dúvidas, portanto é pessoa que, nestas circunstâncias, nada tem para oferecer ao país.

      Bom fim-de-semana.

      Abraço

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