sábado, 4 de janeiro de 2014

Abandonado na encruzilhada

Mateo Vilagrasa - Encruzilhada (1987)

Não há mensagens para ler. Acato a decisão do destino e sustenho o desejo de novidades, esse impulso que sussurra dentro de mim e me lança na fraterna convivência humana. Um dia, o poeta Georg Trakl escreveu Alguém te abandonou na encruzilhada, e tu olhas longamente para trás. Sim, ele falava para mim, falava para um futuro que não conhecia, e eu retribuo-lhe o favor, olhando para trás. Quando abro a caixa do correio ou entro no email é a minha retribuição a Trakl. Olho longamente para trás, mas nunca descubro quem me abandonou. Volto, mais uma vez. Não há mensagens para ler.

6 comentários:

  1. Não será a encruzilhada que está a atrapalhar?
    Será que se ela não surgisse no caminho, continuaríamos a viagem sem grandes angústias?

    Um abraço

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    1. Pois, lá isso é verdade, mas ela lá está e não há nada a fazer.

      Abraço

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  2. Tal como no tarot a carta da morte é boa, significa recomeço, mudança, porque a seguir à morte há o ressurgimento (tinha esta ideia mas agora, antes de escrever, fui confirmar), talvez a ausência signifique mais ou menos a mesma coisa, um virar de página, a preparação para a abertura a um novo ciclo.

    Mas, claro, isto sou eu a falar - e é frequente dizer coisas para as quais nem eu própria encontro grande fundamento.

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    1. É possível que a busca de fundamento (justificação) para o que dizemos seja uma patologia. A filosofia introduziu, de forma sistemática, essa prática, mas não tenho a certeza que nos tenhamos tornado melhores. Quanto à ausência não faço ideia o que ela significa. Talvez seja um recomeço, talvez seja uma fixação no passado. Porventura, será uma ilusão. Mas não sei, e isso é tudo que sei da história.

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  3. Acho graça a isso que diz, da busca do fundamento. Eu sou muito intuitiva. Trabalhei com uma pessoa que era muito racional, muito analítica. Frequentemente, quando tinha que tomar decisões (era o vice-presidente executivo da empresa), ouvia toda a gente e depois, de forma desconcertante, virava-se para mim e perguntava-me 'O que lhe diz a sua intuição?'. E eu dizia mas pensando que ele não devia fiar-se tanto na minha intuição.

    Em contrapartida, com um outro, foi um inferno. A torto e a direito queria que eu fundamentasse com provas tudo o que eu intuía, coisa que, frequentemente, não é possível.

    Felizmente uma vez, num daquelas formações comportamentais que volta e meia frequentamos, o psicólogo explicou que a intuição é um raciocínio que não necessita de percorrer os mesmos caminhos, que é uma espécie de short cut que a inteligência segue. A partir daí, esse céptico passou a ter algum respeito pelas minhas intuições.

    Mas, enfim, são territórios ainda meio desconhecidos, não é? Que sabemos nós? Eu, pelo menos, sei cada vez menos ou, pelo menos, tenho mais consciência do pouco que sei.


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    1. É provável que as neurociências se apliquem a desvendar a diferença entre intuição e raciocínio. Em filosofia, a diferença reside no facto de a intuição ser imediata e o raciocínio implicar um percurso (seja demonstrativo, seja argumentativo). Quanto à intuição, esta pode ser sensível (intuição de uma cor, de uma forma, de um som, de um sabor) ou pode ser intelectual. A partir de Kant, a intuição intelectual (apreensão de uma verdade sem recurso à experiência) passou a ter mau mercado e olhada com manifesta desconfiança. Essa ideia da intuição ser uma short cut seguida pela inteligência é interessante, mas retira à intuição a sua especificidade e arruma-a na área dos raciocínios. Mas isto é matéria de facto que, mais tarde ou mais cedo, as neurociências desvendarão.

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