domingo, 9 de março de 2014

Demonstrativos

Recuperação de textos do meu antigo blogue averomundo, retirado de circulação. Este texto pertence a uma série denominada cadernos do esquecimento. Texto de 30.09.2009.

Quando escrevo poesia dou comigo a encher o poema de demonstrativos. Este, esse, aquele, contracções entre a preposição de e os demonstrativos, etc. É como se um impulso vindo do inconsciente, daquilo que há mais fundo em mim, quisesse falar e mostrar o que sou. Um falso poeta, onde a voz da filosofia, ou da dogmática filosófica, vem sempre ao de cima, como se um verso pudesse ser a conclusão de um silogismo. Esta voz da demonstração é uma voz da razão imperativa, tão imperativa e tão determinante que, mesmo no delíquio do metaforizar, encontra caminho para se fazer ouvir. Ou talvez seja ainda pior, o resto de um velho instinto, enfraquecido pelo torpor, para ordenar o mundo, um instinto político. Acabado o poema, fico sempre com o trabalho de exterminar os demonstrativos, como se disfarçasse os instintos mais arcaicos e reprováveis.

2 comentários:

  1. Esta espécie de vertigem que por vezes sinto quando sinto que não consigo comentar postes como este.

    Um abraço

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    Respostas
    1. Talvez os próprios postes tenham sido escritos sob alguma vertigem.

      Abraço

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