sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A força do pensamento

Salvador Dali - Pensamientos corrosivos

Um dia de Outono invernoso. O vento arranca as últimas folhas de ramos quase despidos e arremessa-as pelas ruas. Caminho, gosto de sentir o vento frio no rosto, e olho para quem passa, enquanto medito sobre a estranheza do pensamento, sobre a sua força, o poder que ele tem sobre o mundo e os corpos. Alguém, ao longe, vem na minha direcção. É ainda uma silhueta indefinida quando reparo. Uma hesitação no andar, passos rápidos, pequenas paragens. Parece gesticular, mas o sol incide-me nos olhos e não me deixa perceber. Caminhamos, a silhueta e eu, um em direcção ao outro. Alguns passos depois tudo começa a tornar-se claro. É um homem, talvez da minha idade, as roupas usadas, o cabelo em desalinho. Pára e esboça um grande gesto, como se indicasse a alguém um lugar, a saída da cidade, sabe-se lá o quê. Está só. Aproximamo-nos, e percebo distintamente que está a falar. Não, não fala ao telemóvel. Fala apenas, diz frases inteiras, invectiva a vida, pára, olha com desprezo o mundo, e continua. Modela a velocidade da viagem pela velocidade das palavras. Passa por mim, mas nem repara. Fala, fala, as palavras saem da boca, os gestos erguem-se do corpo, e segue a viagem, levado pela força do pensamento. Este é tão forte que ele não o consegue conter na intimidade da consciência. Irado, o pensamento irrompe pela boca e arrasta aquele corpo por caminhos que não levam a lado nenhum. 

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