domingo, 17 de janeiro de 2016

A nossa herança

Anónimo românico - Historia de Caín y Abel

Há duas narrativas simbólicas que, na nossa cultura, são essenciais para compreender a condição humana. Essas narrativas estão longe se nos darem uma visão optimista da nossa condição actual. Não é que neguem em absoluto ao homem a possibilidade de uma vida segundo o bem, mas não aqui e agora. Trata-se do mito da queda de Adão e Eva e da Alegoria da Caverna, de Platão. Com o mito da queda ficamos a saber que não vivemos no paraíso. O lugar que nos cabe é o da dor, do sofrimento, da finitude e da morte. Mesmo os prazeres se inscrevem nesse horizonte sombrio para onde fomos relegados após a desobediência dos nossos pais ancestrais. A história de Abel e Caim conclui essa visão pessimista sobre a nossa existência no mundo. Na Alegoria da Caverna, ficamos a saber que somos prisioneiros e, fundamentalmente, ignorantes. Mesmo que um ou outro dos reclusos se evada e descubra a luz da verdade e do bem, a multidão dos homens que vivem na caverna jamais compreenderá o que ele tem para dizer. De certa maneira, e fundindo as duas narrativas, podemos dizer que Adão e Eva, ao serem expulsos do paraíso, foram encerrados na caverna platónica, que não é outra coisa senão o mundo que habitamos. O que estas narrativas põem a nu é a ilusão de que o mundo que habitamos seja o lugar onde o bem e a verdade se realizam de forma absoluta. Recomendam, antes, a humildade tanto sobre os objectivos dos nossos actos como sobre o valor da nossas crenças. Na verdade, não deixamos de ser os herdeiros dos que foram expulsos do paraíso e encerrados na caverna.

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