domingo, 10 de janeiro de 2016

O bem que quero e o mal que faço

Edgar Jené - Sohn des Nordlichts (1949)


Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. (Paulo, Rom. 7:19)

Foi a psicanálise que tematizou a questão das feridas narcísicas. Com Copérnico - e a evolução posterior da astronomia - o homem descobriu que não está - nem é - o centro do universo. Darwin, por seu lado, torna claro que nenhum estatuto especial cabe ao ser humano, o qual é, como todos os outros seres vivos, o fruto da evolução das espécies. Por fim, a psicanálise sublinha que o homem nem sequer de si mesmo é senhor, que as suas razões, que parecem claras e transparentes, são, na verdade, obscuras, motivadas pelo inconsciente, que ele não controla ou sequer conhece.

Esta última ferida no narcisismo humano, a mais decisiva para a psicanálise, era já muito clara para Paulo de Tarso. A dilaceração da vontade, entre o bem que quer e o mal que pratica (induzida pela carne, que se pode aproximar do inconsciente freudiano), é a medida da nossa própria natureza. A fragilidade da nossa vontade é o sintoma e a prova da nossa finitude. A consciência dessa finitude deve, deste modo, cair sobre todas as nossas palavras e acções (e aqui há que seguir a lição de Austin e Searle: falar ainda é uma forma de agir), lançando sobre elas uma desconfiança generalizada. Quando, cheios de boa vontade, queremos derramar sobre o mundo palavras e acções boas, não será o mal (o interesse egoísta), que habita no nosso inconsciente ou na nossa carne, que estamos a espalhar? Que queremos, na verdade, espalhar?

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