terça-feira, 29 de março de 2016

A vertigem pelo absoluto

Tal-Coat - Dans le jaune (1970)

O que leva um jovem com uma vida normal, segundo os padrões hedonistas em vigor no mundo ocidental, a radicalizar-se e semear o terror e a morte? Esta pergunta voltou ao meu espírito ao ler isto sobre os irmãos Abdeslam, envolvidos nos ataques terroristas de Paris. Eram pessoas que gostavam de se divertir, de dançar, de futebol, de estar com amigos, de mulheres. Como é que daqui se dá um passo para o terror? A liturgia comum diz-nos, influenciada por uma sociologice sempre disponível, que isso se deve a causas sociais e económicas, ao desespero de estar desintegrado (o que não parece ser o caso). Estas causas podem explicar um certo espírito de revolta, mas não explicam o passo para o terror.

Olhemos para os anos sessenta e setenta do século passado. Uma onde de terrorismo atingiu uma parte da Europa. Os grupos terroristas não eram compostos nem por imigrantes nem por gente das classes mais pobres. Esses grupos (Brigadas Vermelhas, Fracção do Exército Vermelho - Grupo Baader-Meinhof) nasceram na universidade, numa universidade ainda claramente elitista. Como os actuais têm uma motivação religiosa, os antigos terroristas tinham uma motivação ideológica. O que há de comum entres estes dois fenómenos? Pelo menos uma coisa, a causa que leva alguém a radicalizar-se e a destruir em si o respeito pelos outros. Essa causa pode ser denominada como a vertigem pelo absoluto.

Esta vertigem pelo absoluto manifesta-se, geralmente, de forma benigna. Leva as pessoas a uma entrega total a uma causa, a abraçar uma vida alternativa, a buscar, na solidão e no abandono da vida mundana, esse absoluto. Pode também levar ao inferno das substâncias psicotrópicas, um sucedâneo do absoluto que se encontra em cada esquina. Nem sempre, porém, este desejo de absoluto - este cansaço com a relatividade da vida, com os seus pequenos prazeres e os seus deveres mais ou menos absurdos - encontra uma via socialmente útil para se manifestar ou se contenta com a destruição pessoal no mundo das drogas. 

O desejo do absoluto encontra então no radicalismo político e/ou religioso o lugar para se realizar e realizar-se de forma absoluta e sem mediações. Que entrega mais absoluta pode haver do que o exercício do terror? O terrorismo tal como está a acontecer actualmente ou aconteceu nos anos sessenta e setenta é a manifestação de uma atracção vertiginosa pelo absoluto. Dito de outra maneira, quando o desejo de absoluto é recalcado por não encontrar, seja qual for o motivo, as condições para se manifestar pacificamente, acaba por explodir literalmente em ondas de terror. O terror não é outra coisa senão a expressão de um desejo de absoluto numa consciência relativa, que não encontrou nem a sabedoria nem o caminho para se abrir a esse absoluto. Em linguagem religiosa podemos dizer que o terrorismo é sempre o encontro falhado com Deus.

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