quinta-feira, 10 de março de 2016

Os sinais de Marcelo


Destes primeiros momentos do mandato presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), vale a pena sublinhar, pelo seu significado político, três sinais. Em primeiro lugar, aquele que mostra uma atenção precisa aos problemas colocados pelo mundo actual. A participação numa cerimónia inter-religiosa, na mesquita de Lisboa, onde estiveram presentes dezoito confissões, ultrapassa em muito a preocupação religiosa, de cariz ecuménico, e baliza aquela que deve ser a posição de Portugal num mundo de grande complexidade cultural. A presença do novo PR, nesse encontro, significa a rejeição tanto de um modelo monocultural (onde uma cultura se impõe a todas as outras) como de um modelo multicultural (onde a tolerância entre culturas diversas assenta na sua ignorância e indiferença mútuas). O gesto de MRS indica um caminho de diálogo intercultural, de negociação republicana de formas de estar e de viver, sob a mesma lei e a mesma bandeira. Uma opção clara por uma dimensão política interculturalista.

Em segundo lugar, a crítica clara, no seu discurso de tomada de posse, a uma visão liberal da sociedade. Essa crítica assenta na relação que estabeleceu entre a mão invisível (uma metáfora, de cariz liberal, que designa a ideia de que o bem comum resultaria, sem qualquer planeamento, do facto de cada um seguir o seu interesse egoísta) e a situação precária em que vive parte significativa dos portugueses. Nesta crítica há não apenas o afastamento em relação a Cavaco Silva como uma clara demarcação daquilo que foi o guião ideológico do governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Não, não nos precipitemos. MRS não se tornou um homem de esquerda. Foi apenas fiel às suas raízes políticas: a social-democracia tal como entendida pelo núcleo original do PPD e a doutrina social da Igreja. Tanto uma como outra nunca se reconheceram na retórica liberal nascida com Adam Smith.

Em terceiro lugar, a escolha do Vaticano como o lugar da primeira visita enquanto PR. Este é o mais forte, politicamente, dos três sinais. MRS não vai em peregrinação a Roma. Também não vai, como PR de um país de maioria católica, prestar vassalagem ao sucessor de Pedro. Vai como político. Certamente que essa visita serve para reafirmar o fundamento último da cultura dos portugueses. Contudo o significado político desta opção vai muito para além disso. A escolha desta visita sendo o Papa quem é está longe de ser inocente. É preciso não esquecer que Francisco é o Papa que arrasou a política económica liberal em vigor no mundo. Que ousou, em nome da doutrina social da Igreja, dizer que essa política mata e que fere o mandamento divino não matarás! Um Papa que incomoda a direita que – mesmo quando bate com a mão no peito – não se reconhece, a não ser por hipocrisia, no estilo, nas palavras e nas opções de Francisco. Mais uma vez, uma demarcação clara das opções governativas da anterior maioria. Estes sinais indicam uma nova orientação na Presidência. Com MRS Portugal parece estar à procura de um novo equilíbrio e de uma renovação do pacto social, para que nele todos se sintam incluídos. Para uns será pouco. Para outros será excessivo. Mas se MRS conseguir o que pretende não será nada mau.

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