quinta-feira, 31 de março de 2016

Uma estranha assimetria

Joan Abelló i Prat - Praia de Copacabana, Brasil (1986)

A minha crónica em A Barca.

A actual crise brasileira veio tornar manifesta uma assimetria existente nas democracias. Essa assimetria não tem a ver com ricos e pobres. Está relacionada com o impacto da conduta moral sobre a vida política. A atitude pública perante condutas imorais (a corrupção) é muito mais permissiva com a direita do que com a esquerda. Exige-se à esquerda um comportamento absolutamente imaculado, como se os políticos de esquerda fossem candidatos à santidade e à glória dos altares e não homens comuns, marcados pela venalidade que atinge a generalidade dos seres humanos. Por outro lado, essa mesma opinião é muito condescendente com a corrupção praticada à direita, como se esta estivesse dispensada, no exercício do poder, de ser moralmente virtuosa.

Pode-se argumentar, sem faltar à verdade, que essa pressão, sobre a esquerda, para a santidade e a irrepreensibilidade moral – e o concomitante alívio da direita perante condutas iguais ou mesmo muito mais graves – se deve à dominação que, hoje em dia, a direita exerce na opinião pública através do controlo dos órgãos de comunicação social, da blogosfera, das redes sociais. Na verdade, um dos grandes triunfos da direita nas últimas décadas foi o completo controlo da comunicação social e a imposição de uma interpretação da realidade que favorece essa mesma direita. A partir daqui, exerce uma pressão inaudita sobre a moralidade da esquerda, enquanto descura ou absolve comportamentos muito mais graves provenientes da própria direita.

Tudo isto é verdade, mas a esquerda também está a ser vítima de si e da ilusão que durante décadas propagou. Sempre gostou de se apresentar como possuindo uma superioridade moral, como se a corrupção e as condutas eticamente reprováveis fossem monopólio dos políticos de direita, subjugados aos interesses privados. Sempre gostou de fazer crer que, com ela no poder, a corrupção, a parcialidade e o nepotismo desapareceriam da face da terra. Sempre gostou de representar os seus militantes como heróis na luta contra a opressão e santos laicos na relação com a res publica. Esta representação hiperbólica da virtude das pessoas de esquerda é agora utilizada pela direita para cobrar, com juros astronómicos, os comportamentos venais dos políticos de esquerda. É injusta esta assimetria de tratamento? É, mas a esquerda, ao julgar-se uma excepção e o depósito da virtude moral, pôs-se a jeito.

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