domingo, 11 de dezembro de 2016

Para além da crença ideológica

Jiri Georg Dokoupil - Cabeza teórica (1983)

Há fenómenos sociais que são objectos de grandes paixões. Amores desmedidos e ódios infinitos. Por exemplo, a religião ou a política. Considere-se as crenças no além e na imortalidade da alma, no campo da religião, e a divisão entre direita e esquerda no domínio da política. Discutir sobre a verdade ou falsidade daquelas crenças religiosas é, na verdade, um exercício ocioso. Não menos ociosa é discussão sobre se a razão pende para o lado da direita ou da esquerda, ou a questão de saber se essa divisão faz sentido. Esse tipo de questionamento inscreve-se na necessidade de tomar posição e, tanto no campo religioso como no campo político, deriva da ideologia, procede de um olhar perspectivista e enviesado.

A questão deixa de ser ociosa se, a partir de uma perspectiva evolucionista, perguntarmos que vantagens competitivas e adaptativas a espécie encontrou naquele tipo de comportamentos. Com isto, não se pretende negar a pertinência do questionamento filosófico sobre tais assuntos. Contudo, o questionamento sobre as vantagens que a espécie encontrou há muito nas crenças religiosas ou, mais recentemente, na divisão esquerda-direita, por exemplo, é mais humilde e talvez permita encontrar respostas que nos ajudem a compreender os fenómenos religiosos e políticos, em vez de se procurarem justificações para as nossas crenças.

Este tipo de questionamento e as eventuais respostas têm a vantagem de nada nos dizerem sobre se as crenças no além e na imortalidade da alma são verdadeiras ou falsas, assim como nada nos dizem sobre a superioridade política da direita ou da esquerda. Estão para além da ideologia religiosa e política. Podem ajudar-nos, porém, a compreender por que razão a espécie tem tido necessidade dessas crenças religiosas e dessas práticas políticas. E isso, não sendo a panaceia para muitos dos males que se abatem sobre a nossa pobre espécie, poderia ajudar a enquadrar muitos dos fenómenos que hoje em dia se manifestam no palco do mundo. Não seria pouco.

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