quarta-feira, 26 de abril de 2017

A recusa de Mélenchon

Ilse Bing - Chairs with Leaves, Luxembourg Gardens, Paris (1952)

Como interpretar a posição de Jean-Luc Mélenchon (o candidato da esquerda radical que obteve quase 20% dos votos) e a sua recusa em aconselhar o voto na segunda volta das presidenciais francesas? Para adensar o mistério, Alexis Corbière, porta voz do candidato derrotado, diz que é necessário "distinguir entre uma escolha íntima e uma escolha política". Isto significa o quê? Na verdade, não significa nada, pois em política todas as escolhas são escolhas políticas e todos os silêncios têm um significado. Por isso, também é política a escolha por não escolher. Perante o trágico da acção, perante a escolha entre duas alternativas que, eventualmente, desagradarão a Mélenchon, este, enquanto agente político com responsabilidades perante um quinto do eleitorado, abdica da sua liberdade e entrega ao destino a sorte dos franceses. Esta é, numa primeira leitura, uma aplicação à política da má-fé sartreana. Decidir-se pela não decisão. 

Esta decisão pela não decisão tem, porém, uma leitura política. Tanto faz a Mélenchon que os franceses escolham um centrista, liberal e democrata ou uma soberanista, radical de direita. Numa linguagem hiperbólica (sublinho, o hiperbólico), é indiferente que escolham entre democratas e fascistas (ou descendentes políticos de fascistas). Mélenchon sabe - ou, pelo menos, deveria saber - que parte do seu eleitorado pode ser atraído por Le Pen, pois muitos dos votantes da Frente Nacional vieram do PCF. Se assim for, somos obrigados a uma segunda leitura. E se a má-fé, segundo o modelo de Sartre, for apenas aparente e esconder efectivamente uma opção, mas uma opção inconfessável? Não é destituído de sentido pensar que Mélenchon quer, pelo menos, o reforço da votação de Le Pen. Isso enfraqueceria a eventual vitória de Macron e o europeísmo, contribuindo para acentuar a crise da União Europeia em vez de encontrar um caminho para a sua solução e um reforço das democracias. Seja uma decisão pela não decisão, seja uma deliberada manobra táctica, a esquerda radical francesa, com a posição do seu candidato, não sai nada bem no retrato. O lugar vazio que a voz de Mélenchon não ocupou pode ser ocupado por gente nada recomendável.

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