sábado, 1 de abril de 2017

O problema

A minha crónica em A Barca.

A adesão de Portugal à então CEE – hoje, União Europeia – estabilizou a democracia e permitiu aos portugueses tornarem-se um pouco menos miseráveis do que eram. O país abriu-se à modernidade e foi-se tornando mais cosmopolita. Essa adesão representou a escolha de um destino e uma abertura para dar uma maior solidez ao país. Contudo, há um elemento que, apesar de ser, aparentemente, bom, teve efeitos, do ponto de vista da psicologia social dos portugueses, negativos. Trata-se do dinheiro – em somas avultadas para os nossos padrões – que essa adesão fez entrar em Portugal. Permitiu fazer coisas inconcebíveis antes da adesão. Esse dinheiro, porém, veio facilitar todo um modo de vida cujos resultados se manifestam, de forma mais visível, nas dívidas pública e privada, nas falências dos bancos e nos processos judiciais envolvendo destacadas figuras das elites económicas e políticas.

Não é que Portugal fosse, antes da adesão à CEE, imune à corrupção e ao tráfico de influências. Não era, nem de perto nem de longe. Com uma cultura social baseada no favor, na cunha e no compadrio, os germes que iriam gerar a grande corrupção já estavam todos aí. A entrada de rios de dinheiro, dinheiro fruto do trabalho de terceiros, foi uma oportunidade que a tradicional habilidade dos portugueses não deixou de aproveitar com os resultados que agora todos começamos a perceber. O que é espantoso, depois de tudo o que se tem passado, é a aceitação que este descalabro encontra nas pessoas. É um facto que, por todo o lado, se diz mal dos políticos e das elites, mas isso, na verdade, não representa um desejo efectivo de pôr fim a este tipo de coisas.

Há falta de uma consciência cívica que exija uma maior transparência na gestão dos bens públicos. Continua a não existir, por parte da generalidade dos portugueses, a necessidade de exercerem um controlo muito mais apertado, como aquele que é exercido pelos cidadãos do norte da Europa, sobre os que gerem a res publica. É uma coisa que parece não lhes dizer respeito. É sentida, quando o é, como um caso de polícia e de tribunais. A questão que se deve colocar é a seguinte: o que faz de nós, portugueses, pessoas tão complacentes com os desmandos que ocorrem no bem comum? A resposta não é fácil, mas ela deverá combinar aspectos como a nossa velha cultura de compadrio, o desrespeito generalizado pelos bens da comunidade e o temor pela frugalidade que uma gestão adequada imporia a todos. E é neste emaranhado de razões que está o principal problema que o país enfrenta.

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