sexta-feira, 5 de maio de 2017

O poder e a vontade de poder

A minha crónica no Jornal Torrejano.

Um artigo do jornal Público dava conta de um estudo da psicóloga experimental portuguesa Ana Guinote (University College de Londres) sobre o poder. Uma das evidências da investigação é que a correlação entre inteligência e ocupação de lugares de poder é fraca. Para ocupar lugares de poder mais importante do que ser inteligente é parecer inteligente. Também a competência técnica não é uma qualidade fundamental para se ocupar o poder. É muito mais importante parecer competente do que sê-lo efectivamente. Poder-se-á dizer que o poder – seja político, empresarial ou outro – é um lugar de aparências e que a sua conquista depende mais da representação teatral do que da posse efectiva de capacidades intelectuais e técnicas.

Se as capacidades cognitivas não são um factor central na conquista e exercício do poder, este não depende apenas da mera aparência ou da representação teatral. Há capacidades e traços de carácter que estão, segundo o estudo, ligados ao poder. Assertividade, decisão, autoconfiança, determinação, optimismo, carácter dominador e visão clara fazem parte das características das pessoas, homens ou mulheres, ligadas ao poder. Dito de outra maneira, alcançar o poder e mantê-lo depende muito mais da vontade do que da inteligência teórica ou mesmo prática. Espalhou-se na cultura ocidental, devido à hipervalorização da inteligência e da competência técnica, um equívoco. Este equívoco leva-nos a pensar que o mundo seria melhor se fosse governado por pessoas muitos inteligentes e de grande competência.

A inteligência e a competência não são, por si mesmas, inimigas do poder, mas são inúteis ou mesmo perigosas se não forem acompanhadas pela vontade decidida, determinada, autoconfiante e centrada em objectivos claros. Na verdade, o exercício do poder tem mais a ver com a firmeza e determinação do pastor na condução de um rebanho do que com a elaboração de teorias explicativas do mundo ou a invenção de dispositivos técnicos. Isto ajuda-nos a perceber por que razão muitos actos eleitorais têm o resultado que têm. O eleitorado confia, ainda que inconscientemente, na pessoa assertiva e determinada, mesmo que mentirosa e egoísta, e suspeita da pessoa inteligente ou, como disse numa entrevista também ao Público o psicólogo Kevin Dutton, “as sociedades sempre precisaram de pessoas impiedosas, charmosas e que mentem”. O poder é o resultado da vontade de poder e não de outra coisa qualquer.

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