quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O dia da aposentação

A minha crónica em A Barca.

Há uns anos descobri que para um professor do ensino não superior todos os problemas da educação possuem uma data inexorável de resolução. O dia da aposentação. Aquilo que parece irresolúvel torna-se resolúvel. Voltar as costas à escola e esquecer que ela existe. Este cinismo não nasceu do acaso, nem se deve à índole malévola de quem tem por missão ensinar os outros. Como muito dos cinismos, nasce de uma impotência perante a realidade. E que realidade é essa? Ela é multifacetada, mas há duas características que interferem de sobremaneira na relação dos professores com a escola.

Por um lado, existe na sociedade portuguesa uma cultura inimiga da aprendizagem e daquilo que esta exige. Aprender exige atenção, dedicação, esforço e superação de obstáculos. Aprender exige que se seja capaz de sacrificar os prazeres e desejos imediatos a um prazer maior que nascerá do esforço e da auto-superação. Este tipo de atitude, contudo, é rara na sociedade portuguesa e a maioria dos alunos, quando chega às escolas, já vem vacinada contra o esforço. Esta cultura ferozmente inimiga da aprendizagem é uma realidade que qualquer professor conhece, mas é completamente desconhecida pelo Ministério da Educação.

Aqui surge uma segunda característica que distorce a relação do professorado português com a escola. Os governantes educativos vivem em completa e contínua negação da realidade. Para eles não existe qualquer cultura adversa à aprendizagem em Portugal. Se os alunos não aprendem, o problema não está na cultura que trazem consigo, mas nas estratégias de ensino que são adoptadas. Então, os governos entregam-se à prática delirante de promover reformas sobre reformas educativas (há mais uma em curso) com o desígnio de obrigar os professores a usar as estratégias que farão o milagre de multiplicar a sabedoria dos alunos, como Cristo, em Betsaida, multiplicou pães e peixes.

O problema é que ninguém sabe, a começar pelos governantes reformadores, que estratégias são essas que hão-de dar de comer a quem não tem fome. Como as ideias delirantes dos governantes são inaplicáveis, pois negam a realidade existente, aqueles criam nas escolas um inferno com a finalidade de obrigar os professores a justificar por que razão ideias tão brilhantes não têm qualquer efeito na realidade. Isto tornou as escolas universos kafkianos, cheias de regras e práticas burocráticas, problemas imaginários e soluções absurdas. Durante anos, impotentes, os professores tentam perceber o porquê de tudo isto, até que um dia descobrem que tudo se resolverá quando chegar o dia da aposentação.

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