quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Irvin D. Yalom, Quando Nietzsche Chorou


O romance Quando Nietzsche Chorou, publicado em 1992, é uma incursão do psicanalista Irvin D. Yalom no território da ficção. Este como outros romances posteriores teriam, no dizer do autor, uma função pedagógica, tendo sido escritos para os seus alunos, futuros psicanalistas. Nem o facto do autor não ser um romancista profissional nem a intenção pedagógica retiram brilho à narrativa, que tem no seu cerne a figura do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Yalom ficcionaliza, a partir de um encontro, que nunca existiu, entre o médico vienense Joseph Breuer e Nietzsche, o nascimento da própria psicanálise, antes mesmo que Sigmund Freud, outro médico vienense e protegido de Breuer, que paira como um fantasma durante todo o romance, a tenha arquitectado e instituído.

O enredo do romance gira em torno do tratamento que Breuer deveria realizar do filósofo. Uma amiga deste, Lou Andreas-Salomé, contacta o médico para que ele tome em mãos o caso de Nietzsche, o qual, desesperado por ela não lhe corresponder no amor, estaria à beira do suicídio. Isso que seria, segunda ela, uma perda inaceitável para o futuro da filosofia. A independência e o cepticismo de Nietzsche, relativamente aos poderes da medicina, levam a que o contacto de Breuer com Nietzsche seja o fruto de uma verdadeira aventura psicológica, na verdade uma trama manipulatória engendrada por Lou Salomé com a conivência do médico e de um amigo do filósofo.

O núcleo central da intriga está num estranho acordo que, em desespero de causa perante a difícil personalidade do suposto paciente, Breuer propõe a Nietzsche. O objectivo do médico era conduzir Nietzsche a falar do seu desespero, para assim iniciar um processo psicoterapêutico através da conversação. O acordo propunha que Nietzsche fosse internado, que Breuer lhe tratasse das enxaquecas homéricas e que aquele, devido à sua perspicácia e capacidade de análise psicológica, ajudasse o médico a confrontar-se com o seu próprio desespero nascido de uma vida recheada de sucessos, mas que estava longe de ter sentido, pois o médico tinha uma paixão amorosa inaceitável pela sua ex-paciente Bertha Pappenheim. Pensava Breuer que falar do seu próprio desespero era um caminho para que o filósofo se abrisse, falasse do seu e assim fosse tratado.

O surpreendente é que no processo há uma inversão de papéis. Breuer é cada vez menos médico e cada vez mais paciente de Nietzsche, paciente esse que acaba por ser curado do seu desespero e da sua fixação infeliz em Bertha Pappenheim, redescobrindo o sentido da sua vida, da sua função e da sua família. Quando nos interrogamos sobre o significado desta inversão de papéis, deparamo-nos com uma ficção que faz da filosofia – no caso, a de Nietzsche – a origem da psicanálise. No entanto, não é apenas a história da psicanálise que é reescrita. Também a filosofia ganha um novo sentido, ao ser sublinhado o seu carácter terapêutico. Filosofar não seria apenas uma interpretação do mundo, mas um processo de transformação não desse mundo, como pensava Marx, mas dos indivíduos. Transformação essa, porém, que não é mais do que uma reconciliação consigo mesmo, um tornar-se naquilo que se é, como ordenava Nietzsche. Um romance que não é apenas dirigido para psicanalistas e filósofos, mas para o público que gosta de uma boa história.

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