segunda-feira, 15 de outubro de 2018

The Times They Are A-Changin'


Ouvida nos dias que correm, a canção de Bob Dylan não deixa de parecer uma singular ironia, uma ironia que atinge o cerne das crenças que estão no coração das gerações que fizeram da balada dylaniana um símbolo do caminho para o paraíso. No domingo passado, o candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, quase obteve a maioria necessária para chegar a presidente do Brasil e impor um programa impensável ainda há meia dúzia de anos. Logo a seguir, na segunda-feira, os chefes da extrema-direita italiana (Matteo Salvini, no governo) e francesa, Marine Le Pen, apelavam a uma revolução nas eleições europeias de Maio, de forma a criar, na Europa, um sólido bloco soberanista.

Quando olhamos para os programas destas forças políticas, para a sua capacidade de atracção dos eleitores, corremos o risco de sermos superficiais e tomarmos como causa aquilo que é meramente instrumental. Por exemplo, o papel que as redes sociais possuem na propagação de mensagens imbecis e de fake news. Não se percebe, ou não se quer perceber, a existência, nos eleitorados, de um grande ressentimento relativamente às elites e, em primeiro lugar, às elites políticas democráticas. Esse ressentimento nasce de uma percepção de abandono partilhada por amplas camadas populares, as quais se sentem ameaçadas e procuram uma autoridade que lhes dê segurança.

Os tempos estão a mudar e estão a mudar porque as forças mais radicais de direita vão ocupando o lugar vago deixado pelos democratas de direita e de esquerda ou, como é o caso do Brasil, onde a corrupção do corpo político é de tal ordem que as pessoas se entregam nos braços do primeiro aventureiro. Aquilo que está a acontecer nas democracias não é um fenómeno que lhes seja estranho. Foi a sua degradação que alimentou o extremismo social e político.

Para celebrar a bondade da democracia, cita-se a frase de Churchill: "A democracia é a pior forma de governo, à excepção de todos os outros já experimentados ao longo da história." Não se percebe, porém, que ela contém um aviso sub-reptício: a democracia é um mau regime, é preciso cuidar dele. A questão que se coloca não é se existe uma força significativa de radicais de direita nas diversas democracias. A questão é de saber se e quando é que essa vaga se torna uma força mecânica que progride por si própria e torna impossível qualquer resistência. Os defensores das democracias liberais parecem sonâmbulos. Esqueceram-se de cuidar do jardim e deslocam-se na paisagem social de olhos fechados. O pior é que, como canta Dylan, The Times They Are A-Changin'.

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