domingo, 2 de dezembro de 2018

A revolta dos coletes amarelos


A revolta dos coletes amarelos em França, aparentemente espontânea, com um grau de contestação e de violência a fazer lembrar a velha tradição francesa, merece ser observada com atenção, mesmo num sítio tão turístico como Portugal. A questão que se coloca é se este processo será uma idiossincrasia francesa ou se ele tem potencial para alastrar pela Europa, pelo menos na Europa do Sul, onde nos situamos. Antes de se responder a esta questão, é necessário tentar perceber o que está em jogo. A causa inicial do protesto foi um imposto sobre o combustível em nome do combate às energias poluentes. A esta motivação foi adicionada a da luta contra a perda de rendimentos das classes médias francesas.

O apoio à contestação é um barómetro sobre as preocupações ecológicas da população francesa. Parece que todos gostam muito do ambiente, desde que isso não implique uma mudança do estilo de vida. Aliás, quanto mais dinheiro se tiver, melhor se pode desfrutar de reservas onde o ambiente não está poluído. E aqui liga-se a segunda parte das reivindicações, a perda de rendimentos das classes médias. É possível que a defesa do ambiente seja compaginável com uma crescente e radical concentração da riqueza em muito poucos e a consequente pauperização de uma ampla parte da população. Limitar o direito e o poder de poluir apenas a alguns, enquanto a maioria terá drasticamente diminuído o tamanho da sua pegada ecológica. E é isto que, de certa maneira, parecem significar as políticas de Macron.

Pôr em xeque o uso sem limites do automóvel – esse inultrapassável fetiche das classes médias ocidentais – e degradar-lhe a qualidade de vida é uma causa que, se adoptada noutros países, desencadeará o mesmo tipo de reacção, ainda por cima com o exemplo que os franceses estão a dar. Seria o caso de Portugal, onde o ambiente político parece pacífico e longe da contestação. Contudo, o aumento do imposto sobre os combustíveis que o governo de António Costa fez passar, há tempos, sem grandes dificuldades, neste momento seria impossível. Não faltariam coletes amarelos a vociferar  por aí.

Ora a situação portuguesa – e provavelmente de outros países do Sul – é muito propícia a tentações de uma maior tributação. A contenção do défice, a dívida externa e as reivindicações dos corpos da função pública, para além do combate à degradação ambiental, são factores que geram uma necessidade acrescida de receitas. Um passo em falso do actual ou do próximo governo, seja nos impostos sobre combustíveis ou noutros com impacto nas classes médias, e a contestação francesa transbordará para Portugal. Ou então uma situação inesperada, como uma contestação generalizada do sector privado perante as exigências do sector público, isto é, aquilo que seria uma revolta de contribuintes, a que não falta já a sua pasionaria.

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