domingo, 13 de janeiro de 2019

Descrições fenomenológicas 36. Rapariga com chapéu de palha e vestido branco

Esteban Vicente, Goyescas, 1983

As ondas resfolegavam na fímbria da areia, batidas por uma brisa imperceptível. Alguns barcos dilaceravam, com estudada lentidão, as águas, enquanto outros, fundeados perto da costa, baloiçavam com suavidade. O sol, toldado pela neblina, insistia em brilhar e as gaivotas desenhavam no céu, com a precisão de anjos, símbolos impossíveis de compreender. Vinda da estrada, uma rapariga, saída ainda há pouco da adolescência, caminhava rente à passadeira, ensimesmada. Olhava a areia negra ou, com uma mão a proteger os olhos, perscrutava a linha desenhada pela vacilante fusão de céu e mar. Os seus passos eram hesitantes. Por vezes, parava, revolvia a areia com a ponta da sombrinha. Depois, olhava o horizonte e seguia. A certa altura, porém, decidiu sentar-se. O vestido branco, daqueles que se usavam nos inícios do século XX, cobria-a, deixando apenas de fora os pés nus, que cruzou. Na cabeça, um velho chapéu de palha, de aba larga, adornado com uma fita rosa, já descolorida. A água cintilava e ela olhava-a, enquanto abria a sombrinha. Apoiou a haste no ombro e com a mão fê-la rodar, com precisão monótona. Depois, sorriu e fixou o olhar num cruzeiro que se aproximava do porto. Os seus olhos não mais se despegaram dele, como se estivesse à espera que o tempo cavalgasse os dias e ela, já senhora de si, pudesse entrar naquele grande barco que haveria de a levar ao lugar, ela sabia-o bem, que a aguardava.

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