domingo, 3 de março de 2019

Descrições fenomenológicas 38. Estrada de Montanha

Pier Luigi Lavagnino, Grande Albero, 1969

Refulgem os traços brancos e contínuos que previnem a aproximação às bermas, refulge o tracejado separador das vias. Da brancura imaculada daquelas linhas, ergue-se uma aura ou uma alma em direcção aos céus. Um carro passa lentamente, como se o seu condutor quisesse com os olhos beber a paisagem, fixá-la no fundo de si para, mais tarde, a poder desenhar ou transformá-la no lugar onde há-de ocorrer um crime, daqueles que só um detective de romances policiais pode desvendar. Logo passa outro carro, mas o homem mais do que para a estrada tem olhos para a mulher que, ao volante, o acompanha com um sorriso nos lábios e um halo de esperança no rosto. O abandono e a solidão voltam e envolvem a floresta que rodeia o alcatrão, uma mata de ciprestes, presos à terra e ao verde que lhes envolve os ramos. Sobre as árvores, a névoa translúcida deixa-se penetrar pelos raios de luz que o sol, tímido, infeliz, quase agoirento, permite escaparem, transformando o horizonte no esquisso de um velho castelo assombrado. Um ciclista passa rápido, entregue à vertigem sibilante da descida, envolto num equipamento garrido, que o há-de roubar à invisibilidade e dar-lhe a segurança que precisa para chegar à sua meta, num final feliz e obscuro. A névoa adensa-se, cerra o horizonte numa treva de pez, e os ciprestes escurecem em pleno dia. Ouve-se o uivo de um lobo e o ribombar de um trovão ou o eco de um tiro. A montanha logo se silencia e a estrada abre-se num convite ao viajante apressado e sem destino.

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