domingo, 7 de julho de 2019

Democracia portuguesa, forças e fraquezas

No índice de democracia liberal deste ano - organizado pelo V-Dem (Varieties of Democracy) Institut (University of Gothenburg) - Portugal subiu ao oitavo lugar (ver aqui), o que parece mostrar que se vive numa democracia forte e com um claro respeito pelos princípios dos regimes liberais. O processo eleitoral português foi considerado o melhor do mundo, o mais limpo entre todas as democracias (ver aqui). O regime português possui outros pontos fortes como o nível de consulta pública sobre as decisões políticas (em 3.º lugar) ou o respeito pela contra-argumentação (em 4.º lugar). No entanto, tudo isto parece ser construído de baixo para cima, uma iniciativa das elites políticas ao arrepio da sociedade civil.

A participação cívica e política dos cidadãos é particularmente frágil. E é esta fragilidade o elo fraco pelo qual o regime democrático pode ser atacado em Portugal. Não se pode desligar da fragilidade da sociedade civil o principal fenómeno que poderá fornecer apoio ao discurso populista e à aspiração de matar a democracia liberal e o Estado de direito. Trata-se da corrupção (real, imaginada e inventada, ver artigo de Pacheco Pereira, no Público). Uma sociedade civil forte, isto é, atenta e actuante, limitaria as possibilidade de corrupção na sociedade política. A sua fragilidade torna as elites políticas permissivas ao fenómeno. A corrupção, por outro lado, tem um duplo poder: o de fragilizar a própria sociedade civil e fornecer combustível para o discurso populista e anti-liberal.

Esta realidade pode ser mais decisiva para o futuro do regime demo-liberal português do que o 8.º lugar alcançado no estudo referido. Assiste-se, hoje em dia, nas redes sociais e nas caixas de comentários dos órgãos de informação, a uma escalada do discurso iliberal, a um aumento de posições radicalizadas e ameaçadoras dos fundamentos das democracias representativas e do Estado de direito. Assiste-se, inclusive, a um ataque já nada subtil à ideia de que todos os homens são iguais perante a lei, onde os valores universalistas descobertos pela cultura europeia são tidos por europeus, ao tentarem excluir terceiros desses valores, como meramente regionais.

Percebe-se muito bem que Portugal, apesar de ainda não ter um partido com dimensão eleitoral que represente este tipo de discurso, não está imune aos ventos que degradam por todo o lado a democracia liberal. Para o travar seria necessário, em primeiro lugar, uma sociedade civil - nacional e local - muito mais forte, empenhada e crítica, que desmobilizasse os actores políticos dos vícios do nepotismo, corrupção e outros usos indevidos dos lugares de poder. No entanto, esperar pela sociedade civil portuguesa, tendo em conta o comportamento dos eleitores que chegam a premiar actores políticos condenados pelos tribunais, não será o melhor caminho para garantir a democracia portuguesa.

O outro caminho, parece ainda mais problemático. Seria o da conversão virtuosa das elites governativas - nacionais e locais - ao respeito pelo bem comum e à frugalidade no desempenho das funções, tal como acontece nas democracias nórdicas. E a partir desta conversão fornecer instrumentos que permitam mesmo a uma sociedade civil anémica controlar a virtude republicana dos que exercem o poder. Isto, porém, parece ser um mero desejo utópico perante actores que parecem cegos aos perigos que espreitam. Apesar do oitavo lugar no ranking das democracias liberais, o regime português é demasiado frágil para se pensar que está imune às pretensões daqueles que o pretendem destruir.

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