terça-feira, 2 de julho de 2019

Educação e desigualdades


Apesar de se saber há muito que o sistema educativo português reproduz e dá consistência às desigualdades sociais, um estudo da Edulog, da Fundação Belmiro de Azevedo, veio confirmar essa realidade. Mostra-se aí que os alunos das famílias favorecidas entram nos cursos mais apetecíveis e com maior perspectiva de futuro, enquanto os das famílias mais pobres entram, sobretudo, nos politécnicos. A escola pública não está a ser capaz de assegurar a igualdade de oportunidades. As famílias com mais rendimentos ou capital cultural tiraram mais vantagens do sistema educativo que as outras. Este é um problema que a democracia não conseguiu resolver. O pior, porém, não está aqui.

As actuais políticas educativas são fundadas na ideia de flexibilidade curricular, com a desvalorização da tradicional organização curricular por disciplinas em nome de projectos ditos interdisciplinares, nos quais os saberes disciplinares acabam por se dissolver. Quem conhece o sistema educativo percebe de imediato que o caminho que se está a trilhar – já tentado e já visto como perigoso – vai impedir que muitos alunos estruturem conhecimentos e desenvolvam competências cognitivas fundamentais para disputar o acesso aos cursos mais apetecíveis. Tudo isto é feito em nome da inclusão e do combate ao insucesso escolar. O que vai acontecer, porém, é que o insucesso escolar vai ser disfarçado. Provavelmente, ele só vai ser descoberto no momento em que os alunos são seleccionados na entrada do ensino superior. 

Enquanto a escola pública, como alguém escrevia no Público, vive – ou se prepara para viver – um verdadeiro PREC educativo, as escolas privadas reforçam os seus mecanismo tradicionais e preparam-se para acentuar ainda mais as diferenças sociais dos alunos que entram para o ensino superior. O caminho iniciado por este governo começou logo com um péssimo sinal, a abolição dos exames nacionais dos 4.º e 6.º anos. Nem sequer foi feita uma avaliação da sua utilidade. Em nome da ideologia, com a desculpa de que não existiam noutros países ou por suposta pressão psicológica sobre as crianças, foram pura e simplesmente abolidos. O sinal estava dado para dentro do sistema. As actuais políticas educativas querem reinventar a escola e reformar drasticamente as práticas docentes. Os seus autores imaginam que alunos, famílias e professores são pura matéria plástica, que um secretário de Estado pode moldar à sua vontade. Por norma, esta crença gera o puro autoritarismo burocrático e a desgraça dos alunos que são as suas principais vítimas. O sistema educativo actual reforça as desigualdades? Sim, mas ainda vai reforçar mais.

[A minha crónica em A Barca]

2 comentários:

  1. Grosso modo, já era assim no tempo do antigo regime.

    Um abraço

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    1. Mais coisa menos coisa, o modelo, mesmo quando se diz que não, é esse.

      Abraço

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