quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A hipocrisia do amor ao passado

Tabuleiros de figos a secar, Torres Novas, início do séc. XX
As imagens do passado são de tal maneira fascinantes, a sua luz é tão intensa, que a realidade vivida desses dias surge transfigurada, como se uma grande operação de limpeza tivesse o estranho poder de eliminar dores, impotências, injustiças acumuladas, dominações despóticas, humilhações sem fim. Raramente aquele que se deleita com o passado, no seu exercício narcisista da melancolia, se apercebe que o verdadeira prazer que aquelas imagens lhe proporcionam reside no facto delas não retratarem a sua realidade, mas aquela da qual se afastou e a que ele - sabe-o bem - nunca voltará. O prazer revivalista é um exercício hipócrita que anula aquilo que se oculta por detrás desses relampejos coagulados do tempo, e assim impede que no presente se resgate a dor e a humilhação para a dissolver no seu reconhecimento. 

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