sábado, 3 de agosto de 2019

Descrições fenomenológicas 44. Neve no parque

Virginia Lasheras, ABC, 1979

Um candeeiro de iluminação pública ergue-se da terra, rodeado por uma grade de madeira, uma espécie de canteiro onde crescem uns arbustos, agora crestados pelo frio denso e persistente do Inverno. Nele brilha, contra a claridade funerária do dia, uma luz mortiça. Ter-se-ão esquecido, chegada a manhã, de apagar a iluminação eléctrica. Talvez haja outra razão imponderável. A alguns passos do candeeiro, um pequeno monte, coberto de neve, suporta um velho plátano, cujos ramos despidos mais parecem raízes hirtas suspensas nos ares, em contraponto com a claridade frouxa que se desprende do céu. A larga e comprida álea central do parque está, também ela, coberta de neve, como estão os arbustos e os pequenos montes rochosos, deixados ali para criar uma imagem de natureza agreste. Vistos de longes, os renques de árvores fazem lembrar grandes cortinas escuras, plantadas para proteger a intimidade do que se passa naquele lugar. Mais atrás erguem-se os prédios da cidade, altos arranha-céus, envoltos em betão e sombra. Os anúncios luminosos lutam contra a obscuridade geral, na ânsia de transmitir uma mensagem, de desencadear um desejo, de penetrar no coração dos homens. Num banco, uma figura humana, talvez um mendigo, parece uma estátua. Imóvel e indiferente aos ligeiros flocos de neve que caem lentamente, vacilantes se tocados pela brisa. Um casal, ainda apaixonado, atravessa o parque de mão dada. Riem-se. Talvez façam projectos ou apenas se entreguem à ilusão do amor. Sobre tudo isso, um céu de chumbo, aqui e ali atravessado pela difusa luz do Sol. O dia, coagulado, parece ter suspendido o tempo.

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