terça-feira, 13 de agosto de 2019

Exercícios de sobrevivência

Thomas Hoepker, Trás-os-Montes, Portugal, 1964
Ao vê-la, fiquei fascinado. O retrato de um retrato. Lembro-me perfeitamente de haver nas praias fotógrafos que transportavam às costas a câmara com que ganhavam a vida. Em casa da minha mãe ainda haverá umas fotografias minhas e do meu irmão sentados sobre uma rocha, talvez anteriores a esta. Também nas Portas do Sol, o jardim de Santarém onde podemos ir ver o Tejo, hoje moribundo, deslizar em direcção a Lisboa, havia um fotógrafo que, para fazer as fotografias, ocultava a cabeça sob um pano preto acoplado à caixa. O fascínio da fotografia não reside porém em ter desencadeado memórias pessoais, mas o de tornar patente o país que éramos em 1964. Um país rude, pobre, enterrado num canto de uma península, também ela separada do mundo pelo muro dos Pirenéus. Não nos faltava, porém, uma estranha e pouco razoável vaidade, e era essa que alimentava estes fotógrafos de rua, perdidos um pouco por todo o país, e que me fazem lembrar os amola-tesouras, embora destituídos da inevitável flauta-de-pã, com que estes se faziam anunciar. A si e à chuva, como se acreditava então. Um fotógrafo fotografa outro que, por sua vez, fotografa um homem em que um chapéu de chuva cobre um chapéu de abas, que, por sua vez, cobre a cabeça. A redundância era então um exercício fundamental para a sobrevivência.

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