Até há pouco tempo, havia políticos que, apesar de não darem
vontade de rir aos seus povos, nos faziam a nós, ocidentais, pelo menos sorrir
com um esgar sarcástico. Kim Jong-un, na Coreia do Norte, ou Nicolás Maduro, na
Venezuela, apesar de líderes autoritários, há neles qualquer coisa de risível,
como se lhes faltassem as virtudes que na antiga Roma eram reputadas essenciais
para o exercício político, a gravitas
e a dignitas. A gravitas é uma virtude atribuída a pessoas com elevado sentido
ético, comprometidas com a honra e o dever. E essas características concediam
um determinado peso a quem as possuía. A dignitas
estava ligada ao bom nome, à reputação e também à honra, tudo isso proveniente
dos feitos realizados ao longo da vida.
Durante muito tempo, nas democracias ocidentais, os
políticos preocupavam-se em construir uma imagem pública em que essas nobres
virtudes romanas estivessem presentes. Na verdade, apesar dos sobressaltos da
história, o fim do Império Romano não representou a morte política tanto da gravitas como da dignitas. Elas permaneceram nas monarquias medievais, depois no
absolutismo monárquico e transferiram-se para os regimes do terceiro-estado,
como as democracias representativas.
Nos últimos tempos, porém, chega-se ao poder, no mundo
ocidental, através do corte com estas virtudes. A eleição de Donald Trump, nos
Estados Unidos, foi um sinal decisivo. Há outros, como a coligação no poder em
Itália e a eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil. Agora é a escolha de Boris
Johnson, pelos militantes do Partido Conservador, para líder do partido e
primeiro-ministro do Reino Unido. Todos estes políticos perceberam uma coisa. Gravitas e dignitas não são já condições necessárias para chegar ao poder.
Pelo contrário, são obstáculos e não têm pejo em deitá-las pela borda fora.
Em tudo isto desenha-se uma profunda revolta plebeia. Se a
Gloriosa Revolução inglesa, no século XVII, se as Revoluções Americana e
Francesa, no XVIII, se o triunfo do pensamento liberal nos últimos dois séculos,
se os próprios partidos operários como organizações de elites militantes, se
tudo isso manteve sempre um ideal aristocrático ligado ao exercício do poder,
assistimos agora a uma revolta contra esse ideal, a uma recusa da velha ordem
ética e das suas virtudes políticas. Esta revolta é acompanhada pela rejeição
da verdade como ideal epistémico de avaliação das condutas governativas e duma
rebelião estética contra o gosto das elites. O quarto-estado, que tinha
propulsado as derivas fascista e nazi, voltou em força à cena política.
[A minha crónica e A Barca]
Voltou em força e, não obstante algumas bolsas de resistência, parece que veio para ficar.
ResponderEliminarAbraço
Parece que sim.
EliminarAbraço
Olhe que não, olhe que não...dois terços do mundo estiveram dominados pela extrema direita,em 1942, e não me digam que não se lembram do que aconteceu...
ResponderEliminarA memória,por vezrs,rejeita a realidade.