terça-feira, 8 de outubro de 2019

Chega, uma voz para o ressentimento

Dos novos partidos que chegaram agora à Assembleia da República, o Chega é aquele que me parece ter uma perspectiva mais auspiciosa de crescimento. A principal razão é a de se alimentar do ressentimento. Podemos encontrar dois tipos de ressentimento no país. Por um lado, o ressentimento de camadas sociais mais baixas, completamente despolitizadas, sem iniciativa tanto na vida pessoal como na cívica, perdidas num mundo que parece não ter sido feito para elas. Um discurso como o do Chega explora com facilidade a inveja latente nestes estratos, que poderão encontrar nas simplificações de André Ventura umas verdades sobre as elites políticas democráticas, a quem não amam e nem sequer temem, e que poderão desejar castigar. Não é este, todavia, o único ressentimento que se pode aninhar no Chega. Há franjas das classes médias que têm uma imensa saudade não propriamente do salazarismo mas da ordem existente num mundo que muita gente desses meios não conheceu mas que imagina a partir das narrativas laudatórias com que foi educada. Votaram durante muito tempo no CDS e no PSD, mas nunca se sentiram representadas por esses partidos, demasiado democráticos e respeitadores de uma ordem onde a esquerda política e uma visão liberal dos costumes podem estar integradas. Em caso de crescimento, será a esta camada que o Chega irá buscar os quadros e os ideólogos. O partido de André Ventura pode vir a casar esses dois tipos de ressentimento social aparentemente antagónicos através do uso do Estado. Ao mesmo tempo que pretende limitar certos direitos liberais - civis e políticos - não desdenha de usar os direitos sociais para anestesiar a deriva iliberal. Descurar o poder do ressentimento na vida política pode ser um erro trágico para uma democracia representativa e liberal.

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