quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Das eleições, leituras


1. APESAR DO PRÓPRIO PARTIDO. O PS teve um bom resultado, mas não excelente. Não conseguiu penetrar significativamente na esquerda e alienou, em campanha, uma parte do centro para o PSD. A governação era propícia para chegar a uma maioria absoluta. No entanto, os portugueses desconfiam do PS. Não foi apenas o reinado de Sócrates. São as ligações familiares, os negócios de ocasião, a forma como parece enrolado em Tancos. Para acabar, até o sagaz António Costa se deixou envolver numa querela sem sentido com um alegado militante do CDS. Se há partido que precisa de uma grande reforma (moral), esse é o PS.

2. UM NINHO DE VÍBORAS. O discurso de domingo de Rui Rio cheirou a desculpa de mau pagador, a uma tentativa de descobrir uma vitória onde houve uma derrota pesada. PSD e PS são duas máquinas vorazes de poder. Fora dele, sem o ter à vista, tornam-se autênticos ninhos de víboras, ainda mais o PSD que o PS. Rui Rio, no seu discurso, não evitou ser viperino. Fez uma boa campanha, ajudado pelo desnorte do PS, mas até ela sempre foi um líder sofrível. O PSD vai discutir lideranças. É inevitável, mas mais do que isso precisa de discutir a sua armadura ideológica e o que quer para a sociedade em que vivemos.

3. O FIM DA JUVENTUDE. O Bloco de Esquerda perdeu cerca de 50 mil votos. Essa, porém, não foi a sua maior perda. Começa a parecer-se com os partidos do arco da governação. Abandonos, cisões, imposições vindas de cima, o BE perdeu a inocência e, apesar de se ter afirmado como terceiro partido nacional, está a dissipar o encanto que arrastou – e ainda vai arrastando – uma juventude idealista e contestatária. Está a transformar-se, mais depressa do que se suspeita, num partido velho e de gente velha.

4. MERCADOS EM RETRACÇÃO. O CDS e a CDU sofrem do mesmo mal, a retracção do seu mercado eleitoral. O mal do CDS é que a sua imagem está colada ao que se poderia chamar um partido de betos. Enquanto não largar essa imagem, as suas possibilidades de crescer são muito limitadas. A CDU, melhor, o PCP sofre de um mal idêntico, embora de sinal oposto. As fronteiras do seu mercado eleitoral são fechadas, o partido não tem capacidade de penetrar fora das paredes de vidro que o fecham numa fortaleza onde ninguém entra, mas de onde os eleitores se vão escapando. CDS e CDU parecem reminiscências de um mundo que acabou.

5. O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. Grande resultado do PAN, uma nulidade política baseada no animalismo, pintalgado de ambientalismo e sem consistência política. Sinal da natureza disruptiva do tempo que vivemos. Sinal do tempo é também o Chega. Vai-se estruturar politicamente, a partir da Assembleia, e vai explorar o ressentimento que há por aí. Pode não ser coisa passageira. Iniciativa Liberal e Livre são a expressão do cosmos lisboeta, das jovens elites anglofilizadas e embasbacadas com um liberalismo que nunca existiu em Portugal, o primeiro, e a representação da natureza multicultural da capital do país, o segundo. Os quatro são frestas para espreitar o futuro.

2 comentários:

  1. Mais depressa ou mais lentamente, os partidos tradicionais marram até morrerem e dão por isso.
    Os restantes quando crescerem já serão outros.

    Abraço

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    1. Sim, o crescimento dos partidos torna-os diferentes do que são na altura que têm 1% ou 2%. No entanto, nada garante que, em alguns, essa diferenciação seja suficiente para não se tornarem um perigo para a democracia representativa.

      Abraço

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