domingo, 13 de outubro de 2019

O papel da classe operária

Ipsos Sopra-Steria, Fractures Françaises 2019
Quando Jean-François Lyotard veio falar no fim das grandes narrativas - ou metanarrativas - meio mundo caiu sobre ele. O filósofo francês já morreu há mais de 20 anos, mas basta olhar para a tabela acima para compreender como uma das metanarrativas políticas mais influentes e persistentes no século XX foi reduzida a estilhaços, o que parece dar-lhe alguma razão. Refiro-me ao comunismo. Talvez ainda se lembrem do glorificado papel do proletariado como vanguarda que faria a humanidade transitar da opressão capitalista para a sociedade comunista, onde a abolição da propriedade privada, através da acção daqueles que nada têm (os proletários), nos conduziria a uma sociedade sem Estado e, por isso, sem dominação e opressão.  A classe operária encarnava a vanguarda da história.

O quadro apresentado é desolador. Em todos os itens, os operários franceses, em comparação com outros estratos sociais de França, são aqueles que possuem as posições mais retrógradas (melhor, reaccionárias), e as mais ameaçadoras para a existência de uma vida civilizada. São os que mais defendem a reintrodução da pena de morte, são os únicos que, maioritariamente, acham que o Rassemblement Nationale (de Marine Le Pen) é capaz de governar o país. Também é entre o operariado que aqueles que julgam que há outros sistemas que podem ser tão bons como a democracia são maioritários. Isto para não falar na rejeição da mundialização e na relação com os estrangeiros. São também os que mais aceitam a violência dos coletes amarelos, com uma taxa de rejeição inferior a 40%.

Percebe-se que um velho comunista possa sentir-se desolado e amargo. No entanto, aquela história da vanguarda proletária da humanidade nunca passou de uma ficção. O discurso de vanguarda revolucionária foi sempre e essencialmente uma narrativa de intelectuais iluministas radicalizados, os quais arrastaram alguns elementos das classes operárias também com propensões intelectuais e aspirações iluministas. Em muitos países as classes operárias foram reformistas, na melhor das hipóteses, e conservadoras, para não dizer reaccionárias (ver os EUA e a eleição de Trump). Em alguns momentos e lugares, julgaram poder abrigar-se num regime de ditadura do Partido Comunista, mas não por serem revolucionárias, mas por sentirem necessidade de protecção. 

Agora os operários aderem às soluções iliberais e reaccionárias pelos mesmos motivos, por necessidade de protecção de um mundo que não compreendem e que temem com não pouca razão. Na verdade, as classes operárias foram e são essencialmente passivas, embora se possam revoltar aqui e ali (veja-se o apoio aos coletes amarelos). O que mais temem é a iniciativa, pois esta torna-lhe o mundo um lugar  permanente de desconforto. Talvez o grande sonho do operariado - um sonho de que os operários terão uma percepção muito difusa - seja o retorno à situação prévia à Revolução Industrial, ao mundo protegido pela estratificação social em que viviam, onde apesar de tudo tinham um lugar que era o deles. Talvez seja este o significado do seu amplo apoio à política de Marine Le Pen. Isto está a chegar a Portugal, com o atraso habitual.

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