quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O não chumbo no Ensino Básico e a revolução educativa

Fotografia daqui.

A questão do não chumbo no ensino básico que tanto atormenta certos sectores políticos é apenas um pormenor sem qualquer importância. Tive de dar uma especial atenção aos célebres decretos-lei 54/2018 e 55/2018. Não são alterações legislativas triviais e se levadas a sério não são acomodáveis às tradicionais práticas escolares e às crenças do professorado. Propõem uma revolução na escola portuguesa, não uma simples reforma ou melhoria, mas um virar o ensino não superior de pernas para o ar.

Quanto mais se medita naqueles decretos mais cresce a sensação de desconforto. Há neles qualquer coisa de profundamente tenebroso. Há a ideia de que os alunos são uma matéria plástica altamente moldável. Bastaria uma mudança da forma de trabalhar do professor, agora um diferenciador pedagógico atento ao estilo de aprendizagem de cada um, para que os alunos renitentes à aprendizagem se convertessem às delícias do saber.

Isto não é verdade. Os alunos não são uma matéria plástica moldável ilimitadamente. Como os próprios professores também não o são. Como se pode fazer uma revolução (que vai desde a reconceptualização do espaço e do tempo da aprendizagem até à gestão do currículo e da avaliação) fundado numa crença falsa sobre a natureza dos alunos e contra as crenças pedagógicas de grande parte do professorado? Só através de processos autoritários. Os decretos referidos são um exemplo do mais refinado voluntarismo, o qual faz tábua-rasa da realidade das escolas e dos seus actores.

Uma tentativa idêntica a esta – no tempo de Roberto Carneiro e de Cavaco Silva – falhou estrondosamente, apesar de ter havido um grande incentivo ao professorado, através de valorização da carreira. Onde é que chocou? Na realidade. Foi um choque entre as crenças pedagógicas dos professores, a realidade dos alunos e o voluntarismo maximalista dos governantes. Se tivessem tentado apenas reformar o primeiro ciclo, de forma consistente e com tempo, ter-se-ia avançado alguma coisa. Depois, viria o segundo ciclo e assim sucessivamente. Talvez as coisas fossem hoje muito diferentes.

Os mesmos erros cometidos naquela altura foram repetidos no tempo de Marçal Grilo e de António Guterres. Também Lurdes Rodrigues e José Sócrates ensaiaram a sua revolução educativa, deixando o campo pejado de cadáveres, os professores proletarizados e  furiosos, e tudo pior. Chegámos a António Costa e a João Costa (o autêntico ministro da Educação), também eles se acham revolucionários educativos. Quarenta anos de erros e não se aprendeu nada. Todos querem fazer a sua revolução. Todos se acham salvadores. Todos vêem a autoridade do Estado como um poder revolucionário e violento que dobra os actores. Todos querem tudo ao mesmo tempo. A vida não é assim. O não haver chumbos no básico – coisa que já quase não existia – é uma irrelevância. Em Portugal tem-se sempre a inclinação para discutir com grande alarido o acessório e deixar o essencial de lado.

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