segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

O tempo dos farsantes

Juan Soriano, La farsa de la casta Susana, 1956
Estou a ler Nas Sombras do Amanhã - um diagnóstico da enfermidade espiritual do nosso tempo, de Johan Huizinga. O texto é dos anos 30 do século passado e nele o autor antecipava a terrível tragédia que se abateria sobre a Europa e o mundo. Não são poucas as passagens que parecem referir-se aos nossos dias. É aqui que vem à memória o célebre trecho com que Marx inicia o primeiro capítulo de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte: "Hegel observa numa de suas obras que todos os factos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."

Nos anos trinta e quarenta do século XX, vivemos uma verdadeira tragédia. Hoje, quando olhamos para a degradação da esfera pública, da vida política e para a emergência de um novo tipo de actores políticos, mais do que uma tragédia, aquilo que suspeitamos é estar perante uma farsa, cujos actores principais não passam de farsantes. Em alguns sítios chegaram ao poder, noutros exibem a sua natureza burlesca em busca do público que, enfastiado e desejoso de se divertir, os levará a ocupar o poder. Até nós portugueses já encontrámos os nossos pequenos farsantes, que não perdem oportunidade para nos brindar com as suas facécias.

Há muito - desde o tempo dos gregos - que aprendemos a ligação entre política e tragédia. Com medo dessa ligação, entregámos a política à respeitabilidade burguesa. Esta, todavia, tem-se mostrado pouco respeitável ou, outra possibilidade, o respeito deixou de ser virtude a exibir na praça pública. Se nos guiarmos pela intuição de Marx, o que nos deve preocupar não será tanto o prenúncio de uma nova tragédia, como aquela que o nazismo fez cair sobre o mundo, mas o significado da farsa em que vamos estando cada vez mais envolvidos. Tornar a política numa farsa é dissolvê-la através do riso, mostrá-la como coisa burlesca, um divertimento. Em vez de se chorarem as instituições ameaçadas, rimo-nos com a sua queda. A farsa emerge quando as instituições políticas, ao perderem a dignidade e a respeitabilidade, se preparam para se dissolverem.

3 comentários:

  1. Excelente post.
    E depois da farsa o que é que vai acontecer?

    Um abraço

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  2. E aquela coisa de um partido político português de nome Aliança (?) comunicar que apresentará um candidato à presidência da República, como a classificamos? Tragédia ou farsa,eis a questão ! (obrigado,William!)

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