terça-feira, 12 de maio de 2020

A Igreja e a pandemia em Portugal


Em todo o processo ligado à pandemia provocada pelo coronavírus, a Igreja Católica em geral, e a portuguesa em particular, teve uma atitude que merece louvor. A Igreja portuguesa, e é nela que centro este artigo, mostrou que não é apenas uma instituição guardiã da fé e tradição apostólicas, mas ainda um factor de razoabilidade dos comportamentos sociais, exercendo uma influência muito importante na atitude de muitos portugueses, o que ajudou a minimizar os efeitos da pandemia. A Igreja teve maleabilidade e capacidade para se antecipar ao poder político na decisão de suspender cerimónias públicas e de dar um exemplo que acabou por reforçar a legitimidade das decisões dos órgãos políticos da República.

Em dois momentos, o 25 de Abril e o 1.º de Maio, houve uma tentativa, por parte de sectores políticos extremados, de forçar um confronto entre a Igreja e as instituições políticas da República. Das duas vezes, a Igreja portuguesa resistiu à tentação e manteve-se no seu lugar. Em relação à primeira data, a presença do Cardeal Patriarca nas cerimónias da Assembleia da República não apenas matou a tentativa de criar uma fricção entre instituições políticas e religião, como mostrou um inequívoco apoio ao regime democrático. Em relação ao dia do trabalhador e à inusitada coreografia que a CGTP, com o apoio político do Partido Comunista, decidiu montar em Lisboa, a Igreja pura e simplesmente não se imiscuiu, não reivindicou tratamento igual, não tirou partido da situação para se desviar da linha que ela própria traçara para si mesma. Não se envolveu no que não lhe dizia respeito.

Os que tentaram criar uma tensão entre religião e política não compreendem o que é a religião. Uma religião como a Católica tem uma dupla dimensão. Tem uma vida pública, exterior, feita em comunidade, em eclésia, e tem uma dimensão espiritual, interior, que os crentes podem viver mesmo nos momentos em que a vida comunitária está suspensa. A vida política pelo contrário só tem uma dimensão, a pública. Não há vida política sem o espaço público, sem a encenação ritual de um teatro mundano, que é onde se deve colocar o que aconteceu no 25 de Abril e no 1.º de Maio. A Igreja portuguesa não permitiu que se comparasse aquilo que não é comparável, vida religiosa e vida política. Vincou a diferença entre o espaço sagrado da religião e o espaço profano da política, encontrou formas novas de alimentar a vida espiritual dos crentes e, com essa atitude racional, reforçou tanto as instituições políticas como a credibilidade da própria Igreja. Deu a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

[A minha crónica no Jornal Torrejano]

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