terça-feira, 18 de agosto de 2020

Populismo e destruição do senso-comum

Amadeo de Souza-Cardoso, Le Tigre, 1912
The fascist politician possesses specific techniques to destroy information spaces and break down reality.
Jason Stanley, How Fascism Works

Aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos anos – e agora também em Portugal de forma muito clara – é a um processo que, fundado na propaganda e ampliado pelas redes sociais, visa destruir a relação do cidadão com a realidade e aquilo a que os anglo-saxónicos chamam common sense. Uma definição de senso comum pode ajudar a perceber o que está em causa. Por senso comum entende-se o nível básico de conhecimento prático e de capacidade de julgar que todos necessitamos para viver de um modo razoável e seguro (ver aqui).

O primeiro passo na destruição do senso comum inerente aos regimes de democracia liberal é dado no campo da informação. Trata-se de demolição a esfera pública através de processos de uso da desinformação e da mentira. Trata-se de subverter a distinção entre a informação verdadeira e a falsa. Não é apenas o caso de se usar a mentira, mas de algo muito mais tenebroso. Fazer crer às pessoas que a mentira é a verdade e que a verdade é pura e simplesmente uma conspiração e uma mentira. Neste processo de subversão, o ataque aos media mais credíveis é impiedoso, enquanto se promovem órgãos de comunicação enviesados, fantasiosos, mentores de teorias da conspiração, lugares de pura propaganda.

Este processo de destruição da esfera pública onde deveria ocorrer um debate político informado é, ao mesmo tempo, um fim em si mesmo e um instrumento para outra coisa. Ele visa também fazer com que os cidadãos deixem de ter qualquer relação sensata com a realidade, para criar, desse modo, uma irrealidade propícia às políticas populistas (fascistas ou outras), para deslocar a questão política de um espaço onde as afirmações são confrontadas com a realidade, para um espaço onírico, em que qualquer afirmação contrária aos políticos populistas é desmentida e, em sentido contrário, as mais delirantes teorias encontram apoio. A verdade passa a ser aquilo que agrada e não aquilo que está de acordo com os factos.

O que está em jogo nas tácticas dos políticos populistas é a destruição, nos cidadãos, daquele nível básico de conhecimentos práticos e de capacidade de julgar os factos que permite aos homens viver razoavelmente e em segurança. Aquilo que muitos dos apoiantes deste tipo de políticos não percebem (outros sabem-no muito bem), cegos pelo seu ressentimento e pela propaganda, é que a destruição do senso comum na política é o caminho para a destruição de uma vida razoável e segura, o começo de uma aventura que, por norma, acaba na mais atroz violência e com muitos cadáveres no caminho. O populismo nacionalista – tenha ou não um claro cariz fascista – é um perigo para todos aqueles que querem viver razoavelmente em paz e segurança.

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