domingo, 3 de agosto de 2025

Capitalismo e democracia


Numa newsletter do Público, João Pedro Pereira traz-nos um caso sobre o desenvolvimento do capitalismo. Trata-se da Anthropic, uma promissora start-up de Inteligência Artificial (IA), fundada pelos irmãos Dario e Daniela Amodei. Não há um ano, Dario Amodei, o CEO da empresa, publicou um ensaio afirmando que a IA pode transformar o mundo para melhor, defendendo as democracias e os Direitos do Homem. Agora, porém, “Amodei está em conversações para obter investimentos avultados por parte dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar”, dois Estados que não se distinguem por serem democráticos ou entusiastas dos direitos humanos. Numa mensagem de Amodei aos funcionários, é dito: “Infelizmente, julgo que ‘Nenhuma pessoa má deve alguma vez beneficiar do nosso sucesso’ é um princípio sobre o qual é difícil gerir um negócio.”

O caso é interessante não tanto pela descoberta de que a relação entre moral e negócios é ténue, mas porque coloca em jogo o problema da relação entre capitalismo e democracia liberal. Pretendeu-se que havia um laço forte entre desenvolvimento do capitalismo e democracias liberais. Ora, existem demasiadas provas empíricas que contrariam essa crença. O Chile de Pinochet é um desses exemplos. Outro é a China comunista pós-Mao Tsé-Tung. Podia multiplicar os exemplos. O que é importante, porém, é perceber que não existe qualquer relação necessária entre desenvolvimento capitalista e democracia liberal. Apenas duas liberdades parecem necessárias para a economia capitalista: a da propriedade privada e a de concorrência, embora esta possa ser dispensada.

A relação entre capitalismo e democracia parece ser apenas conjuntural: o resultado, em primeiro lugar, da luta da burguesia contra a aristocracia e o privilégio político desta; em segundo, da luta contra a ameaça do comunismo, enquanto inimigo da propriedade privada. Derrotados aristocratas e comunistas, o capitalismo, para o seu desenvolvimento, pode dispensar regimes democráticos, o que está a fazer diante dos nossos olhos. A América de Donald Trump é um caso exemplar, onde a corrosão das instituições democráticas e liberais está a ser fomentada e financiada por grandes interesses capitalistas. Contudo, há um outro fenómeno inquietante que ainda não é visível, mas que se está a desenhar: a destruição, para além das democracias, da liberdade da concorrência. Grandes interesses económicos gravitam o Estado em busca de protecção e de destruição dos concorrentes. Talvez a destruição em curso não seja apenas a das instituições democráticas, mas também da própria economia de mercado.

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