sábado, 6 de setembro de 2025
Esquerda, uma crise estrutural
quinta-feira, 4 de setembro de 2025
Nocturnos 131
![]() |
Paul Cézanne, Château Noir, 1903-1904 |
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Ciência e democratização da opinião
Este democratismo das redes sociais, ao dar força a
movimentos como os acima referidos, veio revelar o carácter aristocrático do
conhecimento científico. Este é produzido e compreendido por uma elite, um
clube seleccionado que, para entrar nele, exige longos anos de preparação e um
conjunto não pequeno de provas ao longo do caminho. Isto significa que a maior
parte de nós – quase todos – não está habilitado para trabalhar em ciência, e
mesmo aqueles que estão, estão apenas num ramo muito específico. O que acontecia,
antes das redes sociais invadirem o panorama da intercomunicação humana, era
que havia um respeito tácito, veiculado pela comunicação social e pelos valores
da sociedade, pelos esforços desses homens e mulheres que dedicavam uma vida ao
conhecimento. Presumia-se – e com razão – que sendo especialistas, tinham uma
autoridade real para falar sobre a sua área, fossem vacinas, cancro de pele, ou
física nuclear.
O que se assiste é uma revolta da plebe – ou dos sans-culottes,
caso se prefira a França da Revolução ao Império Romano – contra o patriciado
ou a aristocracia do conhecimento científico. A revolta tem uma característica
específica. Não apenas pretende ter voz sobre assuntos de natureza científica,
como quer ter o poder da autoridade: as suas crenças, sem qualquer validação,
são a verdade e a ciência, com o seu laborioso e controlado processo de
produção de conhecimento, não passa de uma mistificação. Estamos a assistir a
um teste terrível dos efeitos da liberdade de expressão. Até que ponto a
ciência e o conhecimento racional podem sobreviver a estes ataques irracionais?
Não é apenas ao nível político, com a erosão das democracias, que as redes
sociais geram problemas. Também são um factor de turbulência para a ciência e
para os benefícios que os seres humanos podem tirar dela. Já não é impossível
pensar que uma nova Idade das Trevas esteja no horizonte.
domingo, 31 de agosto de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (21)
terça-feira, 26 de agosto de 2025
Uma mudança radical
Dois sinais decisivos de que os equilíbrios provenientes do
processo de democratização estão no fim são as iniciativas legislativas do
governo sobre a imigração e o código do trabalho. São leis estruturais e a
esquerda nada pode fazer para as alterar. A primeira chocou com o Tribunal
Constitucional e à segunda pode acontecer o mesmo. Um cenário plausível é o de
a grande coligação parlamentar de direita – PSD/CDS + IL + Chega –, através da
contínua proposição de leis que chocam com a Constituição, encontrar uma desculpa
que lhes permita fazer aquilo que, na verdade, todos os seus chefes desejam:
alterar a actual Constituição, de modo a deixá-la irreconhecível, aniquilando
os traços sociais específicos que a transição à democracia em 74 lhe deu.
Os grandes interesses que, de modo mais silencioso ou mais
ruidoso, como o caso de O Observador, estão por detrás do Chega, da IL,
do PSD de Montenegro (o mesmo de Passos Coelho) e do minguado CDS, não
perdoarão à direita política que esta não aproveite a situação actual para refazer
a Constituição. E é evidente que quem manda não é Montenegro ou Ventura. Eles
são apenas representantes. Portanto, será um milagre que a Constituição se
mantenha tal como está. Não se espere que a sua defesa venha do PSD. Não estamos
em 1975, nem os dirigentes actuais têm alguma coisa que ver com os dirigentes
do PPD (era assim que o PSD se chamava) daqueles tempos. Se se pode ter alguma
pequena esperança de que a revisão não seja um retrocesso cívico monstruoso,
essa esperança reside na União Europeia. É ela que paga as contas, e há um
decoro mínimo que a nossa direita tem de ostentar, para que o dinheiro continue
a vir. O país político mudou e mudou radicalmente.
domingo, 3 de agosto de 2025
Capitalismo e democracia
O caso é interessante não tanto pela descoberta de que a
relação entre moral e negócios é ténue, mas porque coloca em jogo o problema da
relação entre capitalismo e democracia liberal. Pretendeu-se que havia um laço
forte entre desenvolvimento do capitalismo e democracias liberais. Ora, existem
demasiadas provas empíricas que contrariam essa crença. O Chile de Pinochet é
um desses exemplos. Outro é a China comunista pós-Mao Tsé-Tung. Podia
multiplicar os exemplos. O que é importante, porém, é perceber que não existe
qualquer relação necessária entre desenvolvimento capitalista e democracia
liberal. Apenas duas liberdades parecem necessárias para a economia
capitalista: a da propriedade privada e a de concorrência, embora esta possa
ser dispensada.
A relação entre capitalismo e democracia parece ser apenas
conjuntural: o resultado, em primeiro lugar, da luta da burguesia contra a
aristocracia e o privilégio político desta; em segundo, da luta contra a ameaça
do comunismo, enquanto inimigo da propriedade privada. Derrotados aristocratas
e comunistas, o capitalismo, para o seu desenvolvimento, pode dispensar regimes
democráticos, o que está a fazer diante dos nossos olhos. A América de Donald
Trump é um caso exemplar, onde a corrosão das instituições democráticas e
liberais está a ser fomentada e financiada por grandes interesses capitalistas.
Contudo, há um outro fenómeno inquietante que ainda não é visível, mas que se
está a desenhar: a destruição, para além das democracias, da liberdade da
concorrência. Grandes interesses económicos gravitam o Estado em busca de
protecção e de destruição dos concorrentes. Talvez a destruição em curso não
seja apenas a das instituições democráticas, mas também da própria economia de
mercado.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
A jovem Europa
Em 1923, Joseph Roth, referindo-se ao protagonista do seu
primeiro romance, escreveu: “Era o jovem europeu: nacionalista e egoísta, sem
fé, sem lealdade, sedento de sangue e limitado. Era a jovem Europa.” Este jovem
europeu era protofascista e, com o andar dos anos, tornou-se fascista. O
resultado é conhecido: o fascismo italiano, o nazismo alemão, diversas cópias,
mais ou menos fiéis, em países europeus, e, acima de tudo, a segunda guerra
mundial e o genocídio judaico. Os jovens europeus, no pós-guerra, foram-se
tornando outras coisas. Derivaram para a esquerda, tornaram-se antifascistas. Um
pouco mais tarde, foram campeões do liberalismo: primeiro, de costumes; depois,
de mercado. A certa altura do percurso, a juventude europeia, como outras,
mergulhou na internet e nas redes sociais, uma vida sedentária, sombria, vivida
no quarto.
Agora, começa a descobrir-se que os jovens europeus estão
cansados da vida sedentária. Enquanto a velha Europa definha numa crise
demográfica de grandes proporções, aquela jovem Europa – na designação irónica
do escritor austríaco – está de volta, com os mesmos jovens limitados,
nacionalistas, egoístas, sem fé nem lealdade, e, começa a perceber-se, sedentos
de sangue. Uma crise de masculinidade terá atingido parte dos rapazes e,
desconfiados da sua natureza, parecem ter uma necessidade de exibir, como uma condecoração,
a mais rasteira misoginia e um culto da violência, que começa a passar das
redes sociais para as ruas. A discussão sobre se as actuais extrema-direita e
direita populista são ou não fascistas é irrelevante. O importante é a pulsão
que conduz muitos jovens – principalmente, do sexo masculino. E esta pulsão é
violenta, nacionalista e, em potência, violenta.
A situação social e política em que vivemos é, do ponto de vista económico, social e político, muito diferente da que se vivia na Europa do fim da primeira guerra mundial. Contudo, há um ponto em comum: a proliferação do ressentimento. Foi o ressentimento de largas camadas da população que deu combustível ao fascismo e ao nazismo. Ora, apesar de as pessoas, mesmo as mais pobres, viverem muito melhor do que nessa altura, o ressentimento multiplica-se. Seja devido à presença de estrangeiros ou à comparação com as elites, a massa dos ressentidos, na qual a presença de jovens rapazes é significativa, cresce e está a tornar-se um problema para as democracias liberais. Nos anos vinte e trinta do século passado, os políticos democráticos foram impotentes para lidar com essa “jovem Europa”. Resta saber se, passado um século, aprenderam alguma coisa.
quarta-feira, 30 de julho de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (20)
segunda-feira, 28 de julho de 2025
O caminho das sombras (1) Thomas Bernhard e a Coisa Originária
![]() |
Juan José Aquerreta, Ácida Tristeza, 1991 |
sábado, 26 de julho de 2025
Perfis 18. O professor de aldeia
![]() |
August Sander, Village Schoolteacher, 1921 |
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Diálogos aporéticos (10) - Linha do horizonte
![]() |
George Hoyningen-Huene, Divers, Paris, 1930 |
- O que está a ver?
- Nada.
- Ah. Está tão concentrado no horizonte.
- O horizonte fascina-me.
- Alguma razão específica para tanto fascínio.
- Sim. O simples facto de ser uma linha.
- A linha do horizonte.
- Claro, a linha do horizonte.
- E o que tem ela de tão fascinante?
- Não sei.
- Não sabe?
- Não. Não consigo ver mais do que a linha.
- E isso é fascinante?
- Nem por isso.
- Não percebo.
- Falta de treino. Talvez falta de imaginação.
- Tornei-me sua inimiga, para me acusar de não saber fantasiar?
- Não se trata de inimizade.
- Então?
- Apenas a constatação de que os seus limites morrem na linha do
horizonte.
- E os seus?
- Os meus vão bem para lá dela.
- E o que vê?
- A linha do horizonte.
- Pensava que via para além dela.
- Gostava de ver, mas a linha cega-me.
- Sim, eu já sabia que estava cego.
- Porquê?
- Porque nem a mim me vê.
terça-feira, 22 de julho de 2025
Joseph Roth, A Teia de Aranha (Das Spinnennetz)
Não se pense, todavia, que o interesse do romance reside nas
suas implicações políticas. Estas são um meio para atingir um fim: a análise do
papel do ressentimento na subjectividade moderna. A obra é uma exploração da
consciência de Theodor Lohse, um tenente desmobilizado do exército alemão, a
análise da tensão entre os desejos que acalenta e a realidade que é a sua. O
espaço que existe entre ambos é o solo onde o ressentimento vai crescer. A
limitação que o caracteriza não lhe permite confrontar-se consigo mesmo,
perceber quais são, no âmbito de uma moralidade saudável, as suas forças e as
suas possibilidades. É ela – a limitação – que o conduz a odiar os judeus, os
socialistas, os movimentos operários. São, para Theodor Lohse, os culpados da
sua situação. O outro não o interpela no sentido do respeito, mas é aquele que o
impede de ser aquilo que deseja ser. O ressentimento nasce, assim, para
utilizar uma expressão do campo da psicanálise, de uma ferida narcísica.
Esse narcisismo dilacerado, turbilhonado pelo ressentimento,
transforma-se num duplo egoísmo: o pessoal e o nacional. O protagonista
principal é um nacionalista, pois a sua ferida narcísica é também a de uma
Alemanha ressentida, derrotada na Grande Guerra de 1914-1918, submetida ao jugo
do Tratado de Versalhes pelas potências vitoriosas. O romance permite perceber
que o nacionalismo é um narcisismo colectivo. Imerso nesse ambiente, Lohse, na
ânsia de encontrar uma autonomia – isto é, poder e dinheiro –, põe em acção todas
as características que marcam o jovem europeu de então. Não apenas o egoísmo e
o nacionalismo, mas também a falta de fé, a ausência de lealdades e a sede de
sangue. Para subir, não hesita em assassinar os que estão acima de si na
hierarquia. O ressentimento é o combustível para as maiores degradações morais.
O título A Teia de Aranha (Das Spinnennetz) é
uma imagem tanto da situação em que a Alemanha vivia durante a República de
Weimar, como das pretensões do protagonista. A derrota alemã e o fim da
Monarquia tinham atirado o país para uma enorme teia de contradições, de
interesses, de agitações políticas, de frustrações sociais, onde elites
corruptas vicejavam e tentavam controlar, em seu favor, a situação. Também o
protagonista se imaginava a aranha que tece a sua teia, onde os incautos vão
caindo, enquanto ele se fortalece ao devorá-los. No entanto, a sua limitação
não lhe permite perceber que ele próprio é uma mosca em teias que outros tecem,
como o espião judeu Benjamin Lenz e a própria mulher Elsa von Schlieffen. Lenz
é um niilista e odeia tudo: a Europa, o Cristianismo, os judeus, os monarquias,
as repúblicas, a Filosofia, os partidos, os ideais, as nações. É superiormente
dotado e manipula tudo e todos. Espia para Lohse, espia para os comunistas,
espia para a polícia. O dinheiro que ganha com isso nem é para ele, envia-o
para a família. O seu prazer é, parecendo irrelevante, ser o manobrado central.
É ele que promove Theodor Lohse, que lhe apresenta as pessoas certas, que o faz
ter o nome nos jornais, que lhe apresenta a mulher, uma jovem aristocrata já
sem dinheiro, mas com ambições e saber manipulatório suficiente para, obedecendo
em aparência ao carácter autoritário do marido, o conduzir na ascensão social e
política.
Beneficiando, da sua experiência de jornalista de grande
talento, Joseph Roth retrata, com profundidade, a situação social da Alemanha.
Fá-lo, adoptando as orientações estéticas da nova objectividade que
tinha surgido em conflito com o expressionismo, como superação de uma visão
hiperbólica da dimensão sentimental. Theodor Lohse, Benjamin Lenz e Elsa von
Schlieffen são, ao mesmo tempo, personagens credíveis na sua singularidade e
arquétipos ideais. Theodor Lohse encarna o autoritário protofascista. Benjamin
Lenz, o judeu desenraizado. Elsa von Schlieffen, a aristocrata derrotada pelo
empobrecimento da família e o fim da Monarquia, mas ambiciosa por retornar ao
centro do poder. Se há, porém, um traço que os une é o niilismo. Este
alimenta-se de uma enorme gama de inclinações: o ressentimento, o narcisismo, a
ambição, o desejo de manipular, a vontade de poder. E é isso que Roth mostra,
não sem uma funda ironia narrativa, numa Berlim à deriva, num mundo onde ordem
e desordem se confundem.
domingo, 20 de julho de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (19)
sexta-feira, 18 de julho de 2025
Crimes: aparências e realidade
Existem duas grandes motivações por detrás deste interesse
pela criminalidade. Uma estará ligada à lógica de mercado: o crime dá
audiências na televisão e tiragens na imprensa. É o mercado a funcionar. As
pessoas interessam-se por esses acontecimentos e o mercado satisfaz-lhes os
desejos. A segunda motivação é de natureza política. Assim como os dirigentes
do Estado Novo temiam que a criminalidade do país estragasse a imagem do
regime, também os inimigos da democracia liberal utilizam a percepção da
criminalidade como estratégia para desgastar as instituições democráticas. Fomentam
um enorme alarido social em torno da segurança, quando o país é um dos mais
seguros do mundo. Mesmo para um observador arguto, nem sempre é fácil
distinguir, na exploração dos crimes, entre a motivação económica e a política.
Durante muito tempo, foi vital para as democracias liberais
a existência de uma esfera informativa livre, onde a concorrência de ideias,
para alimentar o debate em torno do bem comum, se podia expressar sem censura.
Essa esfera tornou-se, agora, num dos elementos centrais da guerra contra a
democracia. A criação de falsas percepções no público tem um efeito arrasador
das instituições e está a alimentar o progresso eleitoral da extrema-direita.
Isto não significa que não existam órgãos da comunicação social que tentam
fazer um trabalho responsável. Existem. Contudo, a cultura instalada por parte
significativa dos media está a tornar os cidadãos pouco permeáveis à
verdade, preferindo as aparências à realidade. Salazar dizia que, em política,
o que parece é. Os seus admiradores não esqueceram a lição: criam a aparência
de um país à beira do caos, para as pessoas crerem que assim é e se entregarem
nas mãos do salvador de serviço.
quarta-feira, 16 de julho de 2025
Meditações melancólicas (95) Fim do dia
![]() |
Julius Strakosch, Fin du Jour, 1895 |
segunda-feira, 14 de julho de 2025
Ensaio sobre a luz (130)
![]() |
Pere Ysern Alié, Cisne en el Bois de Boulogne, 1921 |
sábado, 12 de julho de 2025
Comentários (31)
![]() |
Almada Negreiros, Porta da harmonia, 1957 |
quinta-feira, 10 de julho de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (18)
terça-feira, 8 de julho de 2025
Nocturnos 130
![]() |
Peter von Hess, Nächtliche Rast in einem Kirchdorf (Städel Museum, Frankfurt am Main) |
domingo, 6 de julho de 2025
Comentários (30)
![]() |
Wassily Kandinsky, Street in Murnau with Women, 1908 |
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Direita e Esquerda, uma questão de sabores morais
O que leva as pessoas, segundo o autor, a ser de direita ou
de esquerda são intuições morais. A moralidade terá, no mínimo, seis
fundamentos diferentes, que se organizam em pares de opostos: cuidado/dano,
justiça/engano, lealdade/traição, autoridade/subversão, santidade/degradação e
liberdade/opressão. São estes aspectos que, intuitivamente, as pessoas usam
para fazerem juízos morais e para codificarem a sua posição política. As
pessoas de esquerda baseiam a sua moralidade, fundamentalmente, nas ideias de Cuidado
e de Justiça. As pessoas de direita apresentam um espectro moral mais alargado,
onde a Lealdade, a Autoridade e a Santidade (certas coisas são consideradas
sagradas e intocáveis) têm um papel preponderante. Pessoas de esquerda e de
direita valorizam a Justiça e a Liberdade, mas interpretam-nas de modo
diferente. As pessoas discordam politicamente porque preferem inconscientemente
sabores morais diferentes.
As ideias de Haidt são úteis para pensar como devem agir as
lideranças políticas. Uma possibilidade é concentrarem-se apenas nos
fundamentos morais da sua tribo política: a esquerda valoriza o cuidado e a
justiça igualitária; a direita, a lealdade ao grupo, a autoridade e a
sacralidade de certas instituições. Este caminho conduz à polarização, a
guerras culturais – que são, afinal, conflitos morais. Líderes responsáveis, de
ambos os lados, devem procurar estabelecer pontes com quem tem gostos morais
diferentes. Ser político é mais do que ser de esquerda ou de direita. É, sem
negar a sua preferência de sabores morais, procurar laços com os outros, porque
a política visa o bem comum. A democracia não é a vitória total de um lado e a
derrota do outro, mas a alternância de sabores e o respeito por quem tem gostos
diferentes. Ora sabe mais a sal, ora mais a pimenta. O essencial é a qualidade
do alimento: a governação de uma comunidade que se pretende unida na
diversidade.
quarta-feira, 2 de julho de 2025
Militares e a doença da democracia
Qualquer cidadão – incluindo os militares, desde que não
estejam no activo – tem o pleno direito de se candidatar. Gouveia e Melo, o
almirante candidato, e Isidro Morais Pereira, o major-general putativo
candidato, estão no pleno direito, enquanto cidadãos, de serem candidatos à
Presidência da República. O problema é que não se conhece, em nenhum deles,
qualquer competência política. Têm uma completa virgindade política, uma
inocência completa perante os dilemas que a gestão política coloca a quem ocupa
a Presidência. São conhecidos do público: um, o almirante, pela boa gestão da
distribuição e aplicação dos stocks de vacinas; o outro, pelo comentário
militar na televisão. Podem ter currículos militares brilhantes, podem ser bons
gestores de armazéns ou analistas militares, mas nada disso nos diz seja o que
for sobre como vão lidar com um mundo em que o Presidente da República tem
menos poderes que um almirante ou um general no seu ramo das Forças Armadas.
Se a candidatura de um ou dois militares, sem preparação
política, é já um sintoma forte da doença da democracia portuguesa, aquilo que
torna apetecíveis as suas candidaturas é decisivo para um diagnóstico dessa
doença. A sua real vantagem eleitoral é não serem políticos, nada saberem
daquilo a que se candidatam. Parte dos portugueses tem um problema com os
políticos. As pessoas pensam que não vivem tão bem quanto desejam por culpa dos
políticos. Os fracassos sociais e existenciais de cada um não são sua culpa,
mas dos políticos, transformados em bodes expiatórios. A solução é escolher não
políticos para os cargos que exigem políticos preparados. Isto é uma doença
porquê? Por dois motivos: em primeiro lugar, porque as pessoas continuam a
acreditar que têm de ser os outros – os políticos – a tratar da sua vida; em
segundo, porque essa crença leva a escolhas pouco razoáveis de pessoas sem
qualquer preparação para cargos altamente exigentes.
segunda-feira, 30 de junho de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (17)
sábado, 28 de junho de 2025
Beatitudes (81) No jardim
![]() |
Constant Puyo, Au Jardin, 1902 |
quinta-feira, 26 de junho de 2025
Simulacros e simulações (74)
![]() |
Georgia O'keeffe, Black and Purple Petunias, 1925 |
terça-feira, 24 de junho de 2025
A persistência da memória (31)
![]() |
Theodor and Oskar Hofmeister, Apfelernte, 1898 |
segunda-feira, 23 de junho de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (16)
![]() |
Ana Marchand, sem título, 2000 (Gulbenkian) |
Morre pássaro insolente,
ave esquiva de asas tecidas
pela mão que escreve.
Morre, morre, aí mesmo
onde a noiva perdida
abriu o segredo sobre o altar.
Morre em teu voo nupcial,
ao som das folhas do plátano,
perdido no ouro do Outono.
[1993]
sábado, 21 de junho de 2025
Ensaio sobre a luz (129)
![]() |
Fernando Lemos, Jardim, 1949 (Gulbenkian) |
quinta-feira, 19 de junho de 2025
Avatares, Influencers e Seguidores
O avatar é usado para manter o anonimato e esconder o rosto
da pessoas por uma imagem simbólica. O rosto, segundo o ensinamento do filósofo
Emmanuel Lévinas, não é apenas um conjunto de traços físicos, a composição de
uma figura determinada pela lotaria genética e a interacção com o meio. O rosto
do outro é manifestação de uma diferença
absoluta em relação a mim. É uma presença que me interpela e questiona. Mas
também é a revelação de uma vulnerabilidade. Contudo, é essa vulnerabilidade
que traz com ela um apelo dramático: não matarás! Quando se esconde o rosto
através de um avatar, esconde-se a vulnerabilidade, mas também a injunção: não
matarás! A qual está nos alicerces da nossa sociabilidade.
Se o Iluminismo nos trouxe alguma coisa de fundamental, foi
não apenas o reconhecimento de que somos seres racionais, mas que isso tem
consequências no campo moral e político. Seres racionais pensam por si próprios
– mesmo quando se colocam no lugar do outro. Esse pensar por si é a marca da
autonomia e da dignidade humana. O par influencers – seguidores é a
subversão da ideia iluminista da autonomia da pessoa. O seguidor submete a sua
opinião à opinião do influencer, aliena a sua autonomia de pensamento e
com ela a dignidade que deve ser a essência de um ser dotado de razão.
Nada disto é inócuo. Nem a praga dos avatares, nem
epidemia de influencers com os seus rebanhos de seguidores.
Exploram a fragilidade humana, desarticulam o respeito pelas instituições da
vida comum, abrem brechas na sociabilidade que permite vivermos uns com os
outros. Os regimes democrático-liberais fundam-se no respeito que o rosto do
outro me exige e na concepção de que temos uma dignidade porque somos seres que
conseguem pensar por si mesmos. São estes pilares que estão a ser,
visivelmente, corroídos. Uma situação para a qual, as democracias parecem não saber
como lidar com ela.
terça-feira, 17 de junho de 2025
Alma Pátria 72: José Afonso, Balada de Outono
domingo, 15 de junho de 2025
Prosa dos dias (33) Ridículo
![]() |
Ilse Bing, Cancan Dancers, Moulin Rouge, 1931 |
sexta-feira, 13 de junho de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (15)
quarta-feira, 11 de junho de 2025
Máximas (25)
segunda-feira, 9 de junho de 2025
Uma grave cegueira
![]() |
Diego Rivera, Las Ilusiones, 1944 |