sexta-feira, 4 de julho de 2025

Direita e Esquerda, uma questão de sabores morais


Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. Haidt defende que as opções pela esquerda e pela direita não se devem a decisões de carácter racional, mas são o resultado de intuições morais profundas, que depois são racionalizadas, isto é, justificadas por argumentos. De forma mais simples: ninguém é de esquerda ou de direita por ter escolhido sê-lo após um processo racional de deliberação. Primeiro é-se de direita ou de esquerda, e depois arranjam-se justificações argumentativas.

O que leva as pessoas, segundo o autor, a ser de direita ou de esquerda são intuições morais. A moralidade terá, no mínimo, seis fundamentos diferentes, que se organizam em pares de opostos: cuidado/dano, justiça/engano, lealdade/traição, autoridade/subversão, santidade/degradação e liberdade/opressão. São estes aspectos que, intuitivamente, as pessoas usam para fazerem juízos morais e para codificarem a sua posição política. As pessoas de esquerda baseiam a sua moralidade, fundamentalmente, nas ideias de Cuidado e de Justiça. As pessoas de direita apresentam um espectro moral mais alargado, onde a Lealdade, a Autoridade e a Santidade (certas coisas são consideradas sagradas e intocáveis) têm um papel preponderante. Pessoas de esquerda e de direita valorizam a Justiça e a Liberdade, mas interpretam-nas de modo diferente. As pessoas discordam politicamente porque preferem inconscientemente sabores morais diferentes.

As ideias de Haidt são úteis para pensar como devem agir as lideranças políticas. Uma possibilidade é concentrarem-se apenas nos fundamentos morais da sua tribo política: a esquerda valoriza o cuidado e a justiça igualitária; a direita, a lealdade ao grupo, a autoridade e a sacralidade de certas instituições. Este caminho conduz à polarização, a guerras culturais – que são, afinal, conflitos morais. Líderes responsáveis, de ambos os lados, devem procurar estabelecer pontes com quem tem gostos morais diferentes. Ser político é mais do que ser de esquerda ou de direita. É, sem negar a sua preferência de sabores morais, procurar laços com os outros, porque a política visa o bem comum. A democracia não é a vitória total de um lado e a derrota do outro, mas a alternância de sabores e o respeito por quem tem gostos diferentes. Ora sabe mais a sal, ora mais a pimenta. O essencial é a qualidade do alimento: a governação de uma comunidade que se pretende unida na diversidade.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Militares e a doença da democracia


O prelúdio das eleições presidenciais é um sintoma da doença da democracia. Não bastava a existência de um candidato militar, com possibilidades de vitória. Surge a possibilidade de, ao lado da candidatura de um almirante, haver a de um major-general. Portugal está cheio de saudades dos tempos do PREC, quando os candidatos mais fortes à Presidência da República eram militares. No início dos anos oitenta, uma revisão constitucional acabou com o Conselho da Revolução e tornou o regime português numa democracia plena, civil e civilizada. Durante quarenta anos, a política era coisa de políticos, enquanto os militares tratavam dos assuntos militares.

Qualquer cidadão – incluindo os militares, desde que não estejam no activo – tem o pleno direito de se candidatar. Gouveia e Melo, o almirante candidato, e Isidro Morais Pereira, o major-general putativo candidato, estão no pleno direito, enquanto cidadãos, de serem candidatos à Presidência da República. O problema é que não se conhece, em nenhum deles, qualquer competência política. Têm uma completa virgindade política, uma inocência completa perante os dilemas que a gestão política coloca a quem ocupa a Presidência. São conhecidos do público: um, o almirante, pela boa gestão da distribuição e aplicação dos stocks de vacinas; o outro, pelo comentário militar na televisão. Podem ter currículos militares brilhantes, podem ser bons gestores de armazéns ou analistas militares, mas nada disso nos diz seja o que for sobre como vão lidar com um mundo em que o Presidente da República tem menos poderes que um almirante ou um general no seu ramo das Forças Armadas.

Se a candidatura de um ou dois militares, sem preparação política, é já um sintoma forte da doença da democracia portuguesa, aquilo que torna apetecíveis as suas candidaturas é decisivo para um diagnóstico dessa doença. A sua real vantagem eleitoral é não serem políticos, nada saberem daquilo a que se candidatam. Parte dos portugueses tem um problema com os políticos. As pessoas pensam que não vivem tão bem quanto desejam por culpa dos políticos. Os fracassos sociais e existenciais de cada um não são sua culpa, mas dos políticos, transformados em bodes expiatórios. A solução é escolher não políticos para os cargos que exigem políticos preparados. Isto é uma doença porquê? Por dois motivos: em primeiro lugar, porque as pessoas continuam a acreditar que têm de ser os outros – os políticos – a tratar da sua vida; em segundo, porque essa crença leva a escolhas pouco razoáveis de pessoas sem qualquer preparação para cargos altamente exigentes.