domingo, 6 de julho de 2025

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Wassily Kandinsky, Street in Murnau with Women, 1908

 
«Vem por aqui» - dizem-me alguns com os olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
José Régio

Em mundos onde não cessam de gritar "vem por aqui", o melhor é cultivar a surdez. E neste mundo que nos calhou em sorte não se cessa, de manhã à noite, de ouvir a injunção "vem por aqui". Um estranho que chegasse agora, vindo de outro universo, ficaria espantado com a quantidade de guias existentes no mercado, como se os seres humanos andassem perdidos e sem saber onde encontrar, em si mesmos, um mapa ou uma bússola que os pudessem orientar. Se a oferta é assim tanta, temos de supor que a procura é desmedida. Talvez a realidade seja mais prosaica. Mais do que uma orientação no caminho,  as pessoas procurem braços que se estendam para elas, para que se sintam acolhidas e fazendo parte de alguma coisa, mesmo que essa coisa seja obscura ou de frequência duvidosa. Cultivar a sanidade exige, por isso, um disciplina rigorosa da surdez. Tornar-se surdo como caminho para sobreviver num mundo onde os orientadores não sabem o que é a proveitosa disciplina da mudez.

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